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O estranhamento, estrangeiros e a superdiversidade

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23.01.2025

Somos todos estranhos na cidade. A cidade define-se como a convivência de estranhos e ela é tão dinâmica que mesmo aqueles que nascem na cidade têm de aceitar conviver com o facto de não se reconhecerem na sua própria cidade ou em partes dela. A contraparte deste estranhamento é a capacidade de ‘antropofagia cultural’ de cada cultura. Ou seja, a vontade de ver o ‘outro’ (a sua comida, a sua maneira de estar ou viver, por exemplo) como parte de nós. Dessa capacidade antropofágica resulta a maior ou menor integração dos ‘outros’ na sociedade portuguesa.

A cidade, enquanto criação recente (com cerca apenas de 10.000 anos), deve ser entendida como um produto humano cujo programa é o da ultrapassagem de uma sociedade de famílias. Ou seja, a passagem de uma sociedade sustentada no parentesco para uma sociedade que se define como uma agregação de estranhos. Ora, apesar de sabermos que a cidade é um produto frágil, este programa de convivialidade entre estranhos é tendencialmente crescente fazendo, em última análise, coincidir a cidade e o mundo. Assim, as cidades incluirão, mais cedo do que tarde, o mundo. E devemos estar preparados para isso. A consciência de que a cidade e o mundo estão ligados é muito antiga. Desde a cidade-torre de Babel, todas as grandes cidades se tornaram cidades-espelho do mundo conhecido (ecumene). E quando o mundo conhecido começou a assemelhar-se ao planeta, as cidades foram tornando-se cidades-mundo: Veneza; Lisboa; Sevilha; Amsterdão; Londres; Nova York…Pequim. No presente existe mesmo uma consciência de que as cidades, ou parte delas, espelham a fragmentação e as lutas do mundo. Uns referem que evidenciam as desigualdades e as lutas entre um Sul Global e um Norte Global numa cidade dual, enquanto outros evidenciaram que a dualidade é uma simplificação e é antes a fragmentação urbana o espelho do mundo: a cidade do luxo, a cidade gentrificada, a cidade abandonada, a cidade degradada (do ‘slum’), a cidade suburbana, a cidade étnica…(Peter Marcuse). A cidade fragmentada é, ao mesmo tempo, uma cidade........

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