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A verdade dos extremos e os extremos compostos

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05.03.2025

O Antropoceno é também chamado Piroceno: a era do fogo. Os fogos que vivemos no século XXI, na Califórnia, na Austrália mas também na Europa, como o de Portugal em 2017, caracterizam um novo tipo de fogo em que a frequência, intensidade e extensão dos extremos (temperatura do ar, ventos e baixa humidade/seca) criam ‘extremos compostos’ que levam à catástrofe. A catástrofe de Los Angeles é o último destes exemplos. Não deixa de ser interessante continuarmos a referi-los como ‘catástrofes naturais’ quando sabemos que estamos a falar de catástrofes humanas! Os extremos do clima e os extremos compostos deveriam possibilitar-nos ler em reflexo a nossa relação com os extremos e extremos compostos noutros níveis da nossa realidade. Só um novo contrato eco-social complexo poderá substituir a catástrofe pela anástrofe.

As expectativas em relação à nova Presidência dos Estados Unidos aumentam, com posições de negociação extremada como as ideias de anexação do Canadá, da invasão/compra da Gronelândia ou o retomar do controlo do canal do Panamá…à transformação de Gaza num Resort Turístico, etc. A tudo isto associa-se um contexto internacional de contínuas ameaças à Ordem Internacional, à soberania, à democracia e mesmo ao Estado de Direito…; o medo dos pequenos números, a fragmentação terrorista…; as perspectivas críticas pós-colonais/decoloniais; feministas; ecologistas; woke

As posições extremas, crescentemente inconciliáveis, também em Portugal, activadas por cada vez mais qualquer situação crítica, vão-se repetindo. A posição dicotómica ‘Nós’ versus ‘Eles’ é transversal e rompe quer o (in)divíduo em inúmeras e inconciliáveis pessoas; quer a família, as instituições e a sociedade; quer a própria administração pública, a estrutura de separação de poderes e a própria estrutura política e do Estado.

Os regimes democráticos parecem ter-se sustentado tradicionalmente numa relação dicotómica entre apenas dois extremos dialéticos (mormente Direita vs. Esquerda, sejam Conservadores vs. Trabalhistas; Republicanos vs. Democratas ou Democratas-Liberais vs. Socialistas) mas convive mal com uma situação de extremos compostos! Ou seja, quando uma democracia cultural emergente abre uma caixa de pandora de guerras culturais e se cruza com uma cidadania de self-media, digital e de IA, uma nova gnoseologia, axiologia e antropologia surgem. E, como tal, a necessidade de uma nova política: um novo contrato social. A noção e o valor de verdade fragmentam-se e os critérios e instrumentos de acesso e gestão do conhecimento alteram-se. Razão e emoção, tempo e espaço, competência e performance, legitimidade e acção entram em turbulência. A velocidade, valor maior, implica a aceitação da verdade e do erro como gémeos verdadeiros. É isso a ‘sociedade de risco’. Mas, mais que isso, é no erro e na sua análise que radica a adaptação e governação criativas, ou seja, a base da anástrofe (nova organização mais complexa) que evita a catástrofe.

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Apesar da complexidade do que referi, de uma forma mais simples está cada vez mais instalada a desacreditação de muitos, sejam cidadãos, políticos emergentes ou senadores, em relação a uma qualquer posição moderada ou central, tendencialmente maioritária. Uns assumindo publicamente, outros não, a adopção de posições extremas, e a crença de que a verdade está nos extremos ou a aceitação de um apartheid ao invés de um espaço público de discussão, é cada vez mais comum em muitas esferas das nossas vidas. Estará a verdade nos extremos? E não é isso em si mesmo uma contradição em relação à pouca importância que temos dado aos extremos e ao erro em ciência: aos outliers?

Os extremismos na política; o papel das excepções nos sistemas jurídicos; as ‘best practices’ como modelo........

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