Uma terra só delas
A escritora norte-americana Charlotte Perkins Gilman talvez seja mais conhecida pelo conto O Papel de Parede Amarelo, publicado em 1892, e inspirado na sua experiência pessoal de diagnóstico com “depressão nervosa passageira”. Constitui um dos textos clássicos da primeira vaga de literatura feminina norte-americana e faz parte da tradição que explora o tópico da loucura no feminino, e que integra nomes como Sylvia Plath, Susan Taubes ou, mais recentemente, Han Kang.
Menos conhecido é o livro de Gilman intitulado Herland, de 1915, que Clara Pinto Correia traduz entre nós como Terra Delas e que, como o nome indica, se debruça sobre uma terra onde só existiriam mulheres. Circunstâncias históricas específicas teriam levado a que um grupo de mulheres tivesse ficado geograficamente isolado até a natureza ter desenvolvido nelas a possibilidade de partenogénese.
A história segue o esquema narrativo habitual do estilo utópico: viajantes do mundo ocidental encontram um local inóspito e isolado, onde foram superados todos os problemas e dificuldades do mundo conhecido. Neste caso, uma sociedade só de mulheres tinha criado um mundo harmonioso e equilibrado, sem fome, pobreza e sofrimento – ao ponto de o narrador-viajante afirmar:
“Foi a ávida felicidade das meninas e das jovens que me fez ver, pela primeira vez, o disparate dessa ideia que nós temos – de que, se a vida fosse feliz e tranquila, ninguém a conseguiria suportar.”
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Esta ideia de “um mundo só delas” desempenhou um papel fundamental nas primeiras vagas do feminismo: a afirmação da mulher no espaço público exigia a construção de uma identidade feminina que permitisse à mulher compreender-se enquanto mulher. E o livro de Gilman integra o esforço literário de promoção dessa autorreflexão. Para a maioria das feministas dessas primeiras décadas, não havia dúvidas: as diferenças entre homens e mulheres eram tão acentuadas – e naturalmente acentuadas, em particular pela maternidade – que um mundo politicamente organizado por mulheres seria diferente de todos os mundos conhecidos até então – e naturalmente melhor.
É esse mundo que os viajantes masculinos encontram em Herland: um mundo em que as características (que seriam) tipicamente masculinas, como a competição, o conflito, o cálculo........
© Observador
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