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Uma questão antropológica

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19.08.2024

1. A morte de Deus

Na longa lista de nomes que compõem o cânone filosófico ocidental encontram-se alguns filósofos que moldaram de tal forma o nosso modo de pensar que não é possível ignorar a sua influência. É o caso de Platão, Aristóteles, Kant, Hegel. Mas, a par destes nomes, encontramos os irregulares, aqueles com os quais lutamos para compreender as suas ideias, bem como o espaço que ocupam na nossa cultura. Dentro desse grupo, talvez o mais relevante seja Friedrich Nietzsche e a batalha pessoal que cada um de nós trava com as suas ideias, como se estas baralhassem a nossa consciência e nos deixassem na incómoda posição de incerteza. Haverá desconforto maior?

Pensemos na sua famosa observação, em A Gaia Ciência, de que Deus está morto, com as palavras do louco que gritava sem cessar:

“Procuro Deus! Procuro Deus! (…) Para onde foi Deus? É o que lhes vou dizer. Matámo-lo… vocês e eu! Somos nós, nós todos, que somos os seus assassinos!” (125)

Perante a incompreensão da assistência, o insensato continua:

“Esse acontecimento enorme está ainda a caminho, caminha e ainda não chegou ao ouvido dos homens. O relâmpago e o raio precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, as ações precisam de tempo, mesmo quando foram efetuadas, para ser vistas e entendidas. Esta ação ainda lhes está mais distante do que as mais distantes constelações; e foram eles contudo que a fizeram!”

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Estávamos no início da década de 1880 e Nietzsche previa já a transformação a que o espírito das luzes e a entronização da ciência conduziriam. E não se tratava de uma festa de libertação e alegria:

“Que fizemos quando desprendemos a corrente que ligava esta terra ao Sol? Para onde vai ela agora? Para onde vamos nós próprios? Longe de todos os sóis? Não estaremos incessantemente a cair? Para diante, para trás, para o lado, para todos os lados? Haverá ainda um acima, um abaixo? Não estaremos errando através de um vazio infinito? Não sentiremos na face o sopro do vazio? Não fará mais frio? Não aparecem sempre noites, cada vez mais noites? Não será preciso acender os candeeiros logo de manhã?”

A morte de Deus conduziria a um período de caos e sofrimento e as sociedades cairiam no niilismo. Só depois disso, diz-nos........

© Observador


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