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Os muitos problemas do multiculturalismo

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09.09.2024

1. Cosmopolitismo e multiculturalidade

É difícil evitar uma sensação de estranheza quando, no metro da cidade universitária, em Lisboa, nos deparamos com as supostas palavras de Sócrates, o grego, nos azulejos: “Não sou ateniense, nem grego. Mas sim um cidadão do mundo.” Gera estranheza pois Sócrates não nos deixou qualquer escrito e as ideias que lhe atribuímos são aquelas que os seus discípulos lhe atribuem – estando aquela frase muito distante dessas ideias, em particular quando relatam os momentos que antecederam a sua morte. Se Sócrates tinha alguma certeza era a de que era cidadão de Atenas, a quem devia a condição de homem justo que respeita as leis da cidade.

Mas é verdade que, numa perspetiva histórica, ele se encontrava já numa fase de decadência do período dourado da polis, e a passagem do período clássico para o período helenístico representou uma mudança no modo como os gregos se viam no mundo: o seu posicionamento deixou de ser feito por relação à polis – como havia acontecido pelo menos desde o século VIII a.C. – e passou a ter como referência um espaço mais amplo: o kosmos, que as conquistas de Alexandre anunciavam. Tratava-se de uma nova disposição militar (a da conquista) que se traduzia não só numa nova disposição mental (ser kosmopolitês, cidadão do kosmos), como também em novas abordagens filosóficas, nomeadamente com o estoicismo, a primeira grande teoria da universalidade (e que podemos, com esforço e polémica, colocar nos primórdios do liberalismo).

É o estoicismo, e a sua abordagem universalista e racionalista – que se terá inspirado em Diógenes, o Cínico –, que vingará na civilização antiga que sucede à dos gregos: Roma e a sua abertura ao mundo como símbolo de passagem da velha polis à cultura cosmopolita. E é este o contexto dos azulejos da cidade universitária: aquela frase é de Plutarco, que terá vivido entre 46 e 120, e que a atribui a Sócrates vários séculos depois da sua morte.

Plutarco, de naturalidade grega e cidadania romana, representa bem essa fase histórica marcada pelas virtudes cosmopolitas e que foram recuperadas no século XX, quando a palavra cosmopolitismo se tornou parte do vocabulário sinalizador de virtude: as pessoas boas defendem sempre o cosmopolitismo e as cidades que valem a pena são sempre cosmopolitas e, por isso, devemos considerar-nos cidadãos do mundo. Tudo o resto é parolice e ignorância.

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© Observador


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