O hábito da confissão
Em Memória Vermelha, Tania Branigan debruça-se sobre os acontecimentos que marcaram a sociedade chinesa durante a Revolução Cultural e que ainda hoje se revelam no modo como os chineses se expressam culturalmente e se relacionam com o poder e a política. O livro procura reconstruir a memória traumática, sedimentada entre a importância de recordar e a necessidade de esquecer, desses dez anos (entre 1966 e 1976), em que grupos de Guardas Vermelhos, compostos essencialmente por jovens universitários, levaram a cabo múltiplos atos de violência e destruição com o objetivo de eliminar os inimigos de classe e purificar a classe dirigente.
Os mais simbólicos desses atos eram as sessões de luta, justificadas com a promoção da autocrítica, mas que constituíam, na verdade, momentos de violência e humilhação pública. Os resultados eram ambíguos, uma vez que as confissões públicas procuravam apenas terminar com o processo degradante em curso, mas ainda assim milhões de jovens foram mobilizados entusiasticamente para este exercício de violência. Afinal, de acordo com o slogan da Grande Revolução Cultural Proletária, “A violência é a verdade.”
Como sabem todos aqueles que estudam movimentos de massas, somos seres essencialmente tribais e quando o mecanismo emocional de pertença é ativado há poucas coisas que não somos capazes de fazer. Não é, por isso, surpreendente que este tipo de mobilização se repita – ainda que, naturalmente, em contextos diferentes. É nesse sentido de coincidência que investigadores como James Lindsay têm interpretado os momentos atuais de autocrítica woke como uma repetição daquelas sessões de luta.
Uma particularidade do século XXI é que elas já não se desenvolveriam necessariamente em salas de aula ou praças (embora isso também aconteça), mas teriam geralmente lugar nas “redes sociais”, com........
© Observador
visit website