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“Ainda”

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23.09.2024

De modo curioso, Frederico Lourenço começa a sua Ilíada de Homero adaptada para jovens com as palavras, não de Homero, mas de Hesíodo, que, em Trabalhos e Dias, consagra o mito das cinco idades:

“No começo do tempo, de ouro era a raça dos homens na terra. Eram como deuses, viviam sem desgraças, não sabiam o que era o sofrimento. Não envelheciam e, se um dia morriam, a morte não era mais que um suave adormecer. A primavera durava centenas de anos e a terra oferecia frutos abundantes; não era preciso trabalhá-la. A vida tinha o brilho da felicidade permanente e a morte era, também ela, feliz. Mas o tempo, a que tudo está sujeito, determinou que depois desta raça viesse a raça de prata.”

Retomado por diferentes autores nos séculos seguintes, desde Platão a Ovídio, o mito das idades permite-nos compreender o modo como os antigos percecionavam o tempo. Uma vez que, na sucessão das cinco idades, cada período é pior do que o anterior e não é possível recuperar a felicidade da época de ouro, os antigos tinham sempre como referência o passado. O passado que foi melhor do que o presente e que será melhor do que o futuro.

Há um certo sentido de humildade, em harmonia com uma sociedade que considerava a húbris o pior dos males, nesta reverência do passado. Afinal, as circunstâncias tendem a repetir-se e, por isso, devemos olhar para o passado à procura de lições. É neste sentido que se diz que os antigos têm uma noção circular do tempo, simbolizada pela imagem da serpente que engole a sua própria cauda, e que se encontra também nas palavras do Eclesiastes:

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“O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: de modo que nada novo debaixo do sol.” (1:9)

Este modo de pensar antigo será rompido com o cristianismo, quando o tempo se torna linear e a salvação se encontra à nossa frente, com o final dos tempos em perspetiva. É uma nova noção do tempo que........

© Observador


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