O abismo tem olhos de criança: sobre a vertigem de ser pai |
Diz-se habitualmente que a paternidade é um acréscimo; uma nova peça que se junta ao puzzle da identidade. Mas a experiência real é, frequentemente, o oposto: é uma subtração, uma rutura ontológica. Ser pai não é apenas um papel social; é o momento em que a filosofia deixa de ser um exercício de biblioteca para se tornar uma urgência de sobrevivência.
I. A Vertigem do Espelho
Nietzsche avisou-nos: “Se olhares muito tempo para o abismo, o abismo olhará de volta para ti”. Mas o filósofo esqueceu-se de dizer que, por vezes, o abismo tem o tamanho de um berço e olhos da cor dos nossos.
Tornar-se pai é sofrer de uma vertigem súbita. Não é o medo de cair; é o medo de que o solo desapareça sob os pés de outro. Antes do filho, o mundo era uma estrada que percorríamos; depois dele, o mundo transforma-se num precipício que temos de policiar.
Olhar para um filho é ver a nossa própria finitude a ganhar pernas e a correr em direção ao futuro. É o abismo da responsabilidade absoluta: a perceção de que somos a única barreira entre uma nova consciência e o nada. Ser pai é aceitar que, a........