Desconectados
Como estará o mundo digital a afetar as nossas mentes, emoções e relações? O que perdemos quando navegamos online? Estaremos hipnotizados, viciados e intoxicados? Quais e quão poderosas serão as forças por detrás destes acontecimentos? Quanto de nós sabem e como nos manipulam? Será possível voltarmos a ter longas conversas sem olhar para o telefone, mergulhar num livro, viver sem medo de estar a perder algo e reencontrar interesses profundos fora dos estímulos curtos e incoerentes das redes sociais?
Vemos famílias sentadas à mesa agarradas aos telemóveis. Pessoas a caminhar nas ruas curvadas sobre os ecrãs. Turistas acabados de chegar a um destino sublime ansiosos por capturar fotografias. Fãs constantemente a filmar os espetáculos musicais ou desportivos, especialmente nos momentos mais emocionantes. Crianças entregues horas a fio a conteúdos videográficos. Jovens, mergulhados em conteúdos superficiais, por vezes pornográficos, outras de jogos agressivos. Biliões de seres humanos, alguns isolados, submersos no feed infinito.
Os ecrãs invadiram quase todos os recantos do mundo, sobretudo os lugares onde a humanidade poderia encontrar contemplação, descontração, conexão ou aprendizagem profunda. As maravilhas da natureza. Os monumentos históricos. Os concertos de música. Os estádios de futebol. Os convívios de amigos. Os ginásios. As escolas. Até nesses lugares existe esta força presente e omnisciente, a sugar a atenção e a condicionar o comportamento humano.
Ora quando visitamos um lugar bonito, passeamos na natureza, vamos ao ginásio, assistimos a um espetáculo ou partilhamos uma refeição, vivemos uma oportunidade para nos ligar à natureza, à história, ao corpo e aos outros. Ao interrompermos essa ligação, quebramos um estado de espírito essencial. Deixamos a quietude, a contemplação e a conexão, alimentadas por rituais ou lugares místicos, para nos debruçar num mundo que estimula comportamentos egocêntricos. Ao fazê-lo, despedimo-nos dos jardins das ideias mais criativas e dos sentimentos de paz profunda.
Sim, o mundo digital comporta inegáveis benefícios, mas está a causar um desgaste sem precedentes no cérebro humano. Já pensaram na quantidade de tempo e energia necessários para aceder a múltiplos grupos de WhatsApp, contas no Facebook, Instagram, Tiktok, Twitter ou aplicações de encontros, isto para além dos emails e outras ferramentas de trabalho?
A verdade é esta. Vivemos sobrecarregados com informações e estímulos digitais. Somos diariamente bombardeados com conteúdos difusos, frequentemente escolhidos por terceiros e distantes dos nossos valores, objetivos ou interesses reais. Em vez de sermos nós a decidir como orientar a nossa mente, é o algoritmo que escolhe por nós. E, ao abdicar do controlo do nosso mundo mental, condicionamos o nosso mundo emocional e cognitivo.
A questão fundamental é: somos os capitães das nossas vidas ou entregámos involuntariamente o nosso tempo e atenção?
Epicteto, um célebre filósofo estoico disse há muito tempo atrás: “Se uma pessoa desse o teu corpo a um desconhecido, farias um escândalo. No entanto, entregas a tua mente a qualquer um que apareça, permitindo que te abusem, deixando-a perturbada e inquieta. Não tens vergonha........
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