O hip-hop foi para mim, durante muitos anos, símbolo de uma contracultura que fomentava a guetização e o orgulho balcanizado do suburbano – que sempre vi como uma prisão de onde só se podia querer fugir – e também, muitas vezes, foi apenas o retrato de um conformismo zangado, sem ambição, que via com justificação suficiente, quando não mesmo com incentivo, o crime e a violência. Mas não nego que há em tudo aquilo uma sonoridade e uma fórmula poética que funciona em mim como uma espécie de regresso ao passado, na maioria dos casos não particularmente feliz – a expressão «urbano-depressivo» não nasce do vácuo, como diria o engenheiro Guterres.
Voltei hoje ao «Pratica(mente)», álbum do Sam the Kid, e ao «Serviço Público», do Valete, ambos editados em 2006. E, na verdade, recuperar os músicos de hip-hop de há quase 20 anos talvez ajude a compreender melhor o que temos diante dos olhos hoje. Já não é só uma minoria que vive à margem, revoltada e com vontade de abanar o sistema como puder. Nos subúrbios conviveram, enquanto cresci, a realidade pouco ambiciosa, muitas vezes caída na delinquência e na inutilidade, e a vontade de chegar mais além, no dinheiro na carteira e na posição social e cultural, que resultava de um sistema que tinha um caminho aberto, através do trabalho e da dedicação, até lugares melhores na........