Para já, deixem a Bastilha em paz |
Um homem já não pode ir de férias descansado sem que alguma direita portuguesa seja acometida de uma súbita e incontrolável vontade de levar a cabo a tomada da Bastilha. Depois da decisão do Tribunal Constitucional de chumbar uns quantos artigos da lei dos estrangeiros, dois grupos saíram às ruas com a firme determinação de erguer uma guilhotina política na Rua da Academia das Ciências: uns, gritam que é indispensável expurgar finalmente a Constituição dos alçapões que lá foram colocados durante o processo revolucionário; outros, berram que é urgente mudar de alto a baixo as togas que se sentam no Palácio Ratton.
Os militantes do primeiro grupo estão a ser vítimas da precipitação. Se parassem para pensar (o que é sempre recomendável), perceberiam que um dos principais argumentos usados pela “maioria de chumbo” no tribunal para abater a lei dos estrangeiros foi o artigo 68 da Constituição, que diz respeito, imagine-se, à “paternidade e maternidade”. Para defenderem maiores facilidades no “reagrupamento familiar”, aqueles juízes argumentaram que “a ‘insubstituível ação [dos pais e das mães] em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação’, deve ser valorizada e protegida”. Deus nos fulmine a todos com um raio se houver alguma alma que se diga de direita e que pretenda redigir uma nova Constituição que não “valorize” e “proteja” o papel “insubstituível” da família em tudo o que diz respeito à “educação” dos filhos. Claramente, a parede contra a qual a lei dos estrangeiros embateu com estrondo não foi a do “caminho para uma sociedade socialista” proclamado no preâmbulo da Constituição — foi a da “família”, a da “proporcionalidade”, a da “igualdade” e a do respeito pelas áreas de atuação exclusivas do Parlamento, princípios que terão sempre de fazer parte de qualquer texto constitucional, seja ele escrito por Vasco Lourenço ou por Genghis Khan.
Os militantes do segundo grupo, que pretendem encher preventivamente o Tribunal Constitucional de juízes amigos, estão a mostrar falta de argúcia política. Claro: em todas as democracias, as diferentes maiorias eleitorais tentam nomear para os tribunais constitucionais juízes que partilhem os seus pontos de vista sobre a sociedade, sobre a vida e sobre a política. É naturalíssimo. Se em Portugal a esquerda sempre fez isso, chegando o PS a nomear juízes desastrosos indicados pelo PCP e juízes desastrados indicados pelo Bloco de Esquerda, evidentemente que agora será a vez da direita fazer as suas legítimas escolhas. Aliás, terá uma enorme amplitude nessa atividade benemérita, tendo em conta que, há não muito tempo, os socialistas chegaram a depositar no Palácio Ratton um antigo membro dos seus governos, numa demonstração de omnipotência, de descaramento e de desprezo pela separação de poderes. Obviamente, a direita deverá dedicar tempo e........