1986-2026 |
Há 40 anos, a eleição presidencial mais disputada da nossa história democrática corporizou o primeiro grande confronto eleitoral entre esquerda e direita em Portugal. É fácil reconhecer paralelismos com a eleição do próximo mês. Em 1985, tomara posse o décimo governo constitucional em dez anos. A instabilidade governativa era a norma da nossa democracia. A impopularidade histórica do PS, que vinha do seu pior resultado de sempre, era acompanhada pelo crescimento relâmpago de um novo partido que pretendia desafiar o domínio dos partidos tradicionais do centro. A fragmentação de candidatos e a divisão de votos na primeira volta levariam a uma disputadíssima e imprevisível segunda volta. Quarenta anos depois, voltaremos a escolher em duas voltas.
Compreender a eleição presidencial de 1986 é fundamental para compreender a era política que agora se dissolve. A nova série documental “A duas voltas – Mário Soares e as Presidenciais de 1986”, da autoria de Ivan Nunes e Paulo Pena, que será exibida entre 1 e 5 de Janeiro na RTP Notícias, permite-nos olhar para essa conjuntura crítica e compreender melhor a nossa história democrática.
A eleição presidencial de 1986 ocorre no ano da adesão de Portugal à CEE, após uma década marcada pelos confrontos do PREC, pela consolidação constitucional, pela incerteza política e por duras crises económicas. Porém, ocorre ainda antes das maiorias absolutas de Cavaco Silva, que de certo modo antecipou. Numa das muitas ironias da eleição, apesar da vitória à tangente de Soares com o apoio da esquerda, foi a mobilização histórica do centro-direita — iniciada nesta eleição — que acabou por marcar a década seguinte. Por tudo isto, a eleição é um momento político e cultural definidor. Paulo Portas, um dos muitos entrevistados na série, afirma que a eleição de 86 foi não apenas a mais renhida e a mais inovadora da nossa história, mas também “a eleição fundadora do nosso regime tal qual ele é… ou tal qual ele foi durante muitas décadas.” A correção rápida do tempo presente (“tal qual ele é”) pelo tempo passado (“tal qual ele foi”) parece ligeiramente improvisada – como quem ainda não se habituou........