Educação para a cidadania: entre a perceção e a receção |
Estão em discussão pública dois documentos: ‘aprendizagens essenciais da disciplina de ‘cidadania e desenvolvimento’ e a ‘estratégia nacional de educação para a cidadania’.
Deve merecer reconhecimento independente este facto. Não me recordo de terem sido alvo de discussão pública os instrumentos que regularam uma e outra, em fase anterior. E isso, só por si, já é cidadania a acontecer.
Há, porém, como sempre, que distinguir entre a letra da ‘lei’ (lato sensu) e a sua perceção, a ‘lei’ e a sua receção. E, poderíamos acrescentar, entre a ‘lei’ e a sua intenção.
A polémica (curioso este termo, que deriva do grego ‘pólemos’, que significa ‘guerra’, ‘batalha’… Temos, de facto, aparentemente, uma batalha instalada!) em torno destes dois documentos é um excelente laboratório para a observação do que acabo de referir.
Irei debruçar-me, precisamente, sobre esta distinção entre a ‘lei’ e a sua ‘chegada’ aos sujeitos.
Não, porém, sem, antes, enunciar pressupostos que tenho como incontornáveis.
Face à surpresa que me suscita o interesse de muitos dos polemistas em educar os filhos dos outros (perdoe-me o leitor esta nota de ironia), trago para a frente do palco a constatação constitucional do enorme respeito que tem a III República pela anterioridade dos pais no que concerne à responsabilidade sobre a educação dos filhos. Já não estamos no registo da revolução francesa (e das sua herdeiras: a revolução russa e demais filiadas) em que os filhos eram-no da Pátria, antes de o serem dos seus pais. Não é assim, na República do 25 de abril. Recordemos o que refere a Constituição da República Portuguesa (cito a partir do site do Parlamento, consultado em 27 de julho de 2025)
No seu artigo 36.º, N.º 5, vinca que ‘Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.’ (consideremos este um enquadramento de ordem formal) e acrescenta, no artigo 43.º, um elemento de ordem material, no n.2: ‘O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.’. Quando o faz, o Estado tem de acautelar que os pais permitam essa educação segundo tais diretrizes que o mesmo está impedido de seguir nas suas programações. É assim que, nas escolas, em matérias deste teor, os pais devem autorizar a participação dos seus filhos.
A honestidade intelectual obriga-nos a reconhecer que as matérias de natureza sexual, por respeitarem, por um lado, à intimidade de cada um, mas também por nela confluírem visões sobre a existência e sobre a identidade, são das que mais estão vulneráveis a esta manipulação ideológica e instrumentalização. Pelo que o Estado deve ser cuidadoso na forma de assegurar a promoção de formação nesta área. Para mais porque estamos a referir-nos à educação de crianças e adolescentes, para quem o mundo (envolvente, dos outros e seu) é ainda mais futuro do que passado. Os filtros estão, ainda, em construção.
Soma-se a este pressuposto o reconhecimento de que, se o mesmo Estado não é fino e preciso sobre o que pretende, cria condições para a arbitrariedade e o voluntarismo.
Intriga-me, por isso, que, ao arrepio do que prevê a Constituição, muitos tenham a pretensão de saber, com clareza, o que deve ser dado aos ‘filhos dos outros’ nestas matérias tão vulneráveis.
Outra coisa, bem certo, será a interrogação sobre pressupostos e princípios da sã convivência em sociedade, mas que não são específicas deste âmbito temático, antes concernentes a uma ‘moral comum’.
A insistência, porém, de alguns, em que a educação sexual seja ministrada pela escola, de forma universal e sem o consentimento de pais, deixa a........