menu_open Columnists
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close

Entre a cultura do cancelamento e a decência 

7 1
03.10.2025

Só alguém sem referências e padrões morais é que não consegue condenar o homicídio do activista e empreendedor Charlie Kirk. O que também considero abominável é a frequência com que se celebra a sua morte ou se o caracteriza como “odioso” imediatamente após o seu falecimento (perdi grande parte do meu respeito por Amanda Seyfried), como se ele fosse Augusto Pinochet ou Abimael Guzmán (conhecido pelo nome de guerra Presidente Gonzalo). Já tinha sido revoltante ler os comentários do actor brasileiro Zé de Abreu a comemorar a morte de Olavo de Carvalho.

Também me preocupa a popularidade das restrições à liberdade de associação e de expressão no meio académico norte-americano, bem como a tendência de alguns em equiparar a cultura de cancelamento à exigência de que qualquer figura de autoridade não permaneça no cargo se celebrar a morte de uma pessoa pacífica. Isto sugere que, nos Estados Unidos da América (EUA), os conservadores poderiam estar a aderir à cultura de cancelamento — conclusão que considero desprovida de sentido.

As equivalências erradas

Não é compatível com a boa-fé nem com a vontade de prosseguir a verdade que um cientista de dados, como David Shor, seja despedido de uma consultora por divulgar as conclusões da investigação do cientista político Omar Wasow, que demonstram que os protestos violentos tendem a ter efeitos negativos na promoção e concretização de objectivos progressistas. Acresce que Shor chegou a ser acusado de “se aproveitar da sua ansiedade e do seu intelecto” como meios para marginalizar a comunidade negra nos EUA.

Também não é propriamente iluminista que um professor universitário, como Greg Patton, seja despedido por explicar, numa aula de comunicação, que, enquanto os conectores ou palavras de preenchimento preferidos pelos norte-americanos são “err”, “umm” e “youknow”, o conector mais comummente utilizado pelos chineses é “nà ge”. O problema levantado foi que “nà ge”, no contexto referido, soa de forma semelhante à palavra inglesa “nigga”.

Nenhum destes dois episódios é normal. Nada disso merece o respeito de conservadores, libertários ou de qualquer pessoa minimamente comprometida com a defesa da liberdade e do progresso. Infelizmente, estes acontecimentos fazem parte de uma sequência de atropelos ao avanço científico e ao combate à ignorância e à superstição, muitas vezes defendida, mais ou menos abertamente, pela esquerda norte-americana. Trata-se de um triunfo parcial da cultura de cancelamento.

Por outro lado, se um professor do ensino básico ou secundário celebra a morte de um pai de aluno, é previsível e compreensível que os encarregados de educação contactem o diretor para exigir medidas. Se um pastor de uma igreja calvinista começasse a convidar os fiéis a participar na eucaristia, os responsáveis pela supervisão estratégica e espiritual teriam pleno direito de lhe impedir a continuidade nos serviços. E se eu me dirigir de forma insultuosa ao meu patrão, ele tem todo o direito de não renovar o contrato ou até de me despedir antecipadamente.

Partilho, por isso, a indignação de Daniel Buck com as sugestões que circulam na imprensa norte-americana (e, muito provavelmente, internacional) de que os conservadores, ao defenderem o despedimento e/ou a ostracização social dos que celebraram o homicídio de Charlie Kirk, estariam a aderir à cultura de cancelamento.

Assim como Buck, não esperaria outro desfecho senão o

© Observador