“Burqas” e “niqabs” em Portugal: os véus pseudo-islâmicos

Graças ao partido Chega, e com os votos a favor do Partido Social Democrata (PSD), do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) e da Iniciativa Liberal (IL), a Assembleia da República aprovou, no dia 17 de outubro de 2025, a proibição da utilização da burqa em espaços públicos. Não fiquei surpreendido com os votos contra do Partido Socialista (PS), do Livre, do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE), mas lamento que o órgão de soberania com maior poder legislativo do nosso país, independentemente da sua composição, tenha demorado tanto tempo a fazer com que Portugal desse mais um passo na direção de uma afirmação inequívoca da nossa cultura, dos nossos valores e daquilo de que não estamos dispostos a abdicar enquanto acolhemos pessoas estrangeiras.

As exceções à proibição da “utilização, em espaços públicos, de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto” parecem-me justas e razoáveis: “razões de saúde ou motivos profissionais, artísticos, de entretenimento ou de publicidade”; a presença em “aviões ou em instalações diplomáticas e consulares”; “em locais de culto e outros locais sagrados”; e “por motivos relacionados com a segurança ou devido às condições climáticas”. À primeira vista, não me parece que sejam necessárias alterações de conteúdo para a votação final global, a promulgação por Marcelo Rebelo de Sousa e a publicação no Diário da República.

Como refere a proposta de lei do partido “de “extrema-direita” português com representação parlamentar, que eu próprio já chamei “civilizacionista”, o uso da burqa e do niqab, ou de qualquer forma de ocultação do rosto em público, total ou parcial, já está proibido nos seguintes países: França (desde 2010), Bélgica (desde 2011), Países Baixos (desde 2016), Bulgária (desde 2016), Áustria (desde 2017) e Dinamarca (desde 2018). Em Itália, abençoada pela liderança de Giorgia Meloni e por uma comunicação produtiva e racional entre os agentes políticos conservadores, encontra-se em discussão uma lei com os mesmos propósitos. Para se perceber o quão “extremista” é estar ao lado desta decisão legislativa, recordo que o actual líder do partido de extrema-esquerda França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, qualificou, em 2010, o véu islâmico (ou recorrentemente associado ao Islão) como um “sinal de opressão patriarcal” e um infligir de estigma. Em 2015, mantinha ainda essa posição, além de ter contestado a aplicabilidade e a utilização frequente do termo “islamofobia” para designar o pensamento de possíveis adversários políticos e intelectuais.

Recordando os seis meses que passou em Amesterdão, no final da década de 1990, o escritor e crítico cultural norte-americano e norueguês Bruce Bawer escreveu, na obra Enquanto a Europa Dormia, sobre o “notável contraste entre o centro de Amesterdão e o Oud West”, o bairro da capital holandesa onde viveu. Reparou que, a menos que alguém se aproximasse da estação ferroviária, da Nieuwezijds Voorburgwal ou simplesmente saísse do centro de Amesterdão, “praticamente nunca se via uma mulher de hijab”, mas que, em qualquer outra parte da cidade, o Islão marcava uma presença severa. No Oud West, “largamente muçulmano”, se ele e o seu parceiro olhassem “pela janela a qualquer hora do dia”, “era provável” verem “uma ou mais mulheres a empurrar carrinhos de bebés, com uma ou mais crianças a andar atrás delas”, e notavam que todas “envergavam o hijab”, o conjunto de vestimentas supostamente (já aí vamos) preconizado pela doutrina islâmica. A maioria usava um chador, “uma única peça comprida de tecido que cobre o corpo inteiro e deixa apenas o rosto visível”, e menos frequentemente, o niqab e a burqa (o primeiro só deixa entrever os olhos, enquanto a segunda esconde o rosto todo).

Tendo publicado este livro em 2006, Bawer manifestou o seu desconforto, enquanto imigrante americano na Europa, com o padrão que observava nas metrópoles do Velho Continente: “oO centro da cidade era praticamente cem por cento europeu”, enquanto “a periferia” se tornava “cada vez mais muçulmana” (página 23). A proliferação de letreiros em língua árabe e a presença crescente de mulheres que, sem desempenharem qualquer função religiosa (ao contrário das freiras da Igreja Católica Romana), escondiam o cabelo, o rosto e, em alguns casos, os olhos, e que costumavam segurar carrinhos de bebé e passear com as suas crianças, já sinalizavam um confronto entre, por um lado, europeus cada vez mais solitários e envelhecidos e, por outro lado, magrebinos, africanos e indostânicos apegados a famílias numerosas e coesas. Era o prenúncio de que algo na Europa não estava a correr bem.

Tendo o mérito de denunciar a influência do islamismo radical e do politicamente correto na Europa, Bawer não deixou de esclarecer a diferença entre hijab, chador, niqab e burqa. Também Irfan al-Alawi e Stephen Schwarz, num artigo publicado na American Spectator e republicado no website do Middle East Forum, têm o mérito de explicar, de forma acessível, as diferenças entre niqab (definido acima), hijab (que cobre só a cabeça), abaya (uma túnica sobre o corpo, que não esconde o rosto e que nem sequer é um símbolo religioso), chador (que defini acima), jilbab (peça de roupa solta que cobre todo o corpo, mas não a cabeça, a cara e as mãos) e burqa (definido acima).

Num artigo publicado a 23 de Abril de 2022, o “orientalista” (para usar o termo de Edward Said) Daniel Pipes responde a três argumentos apresentados por um auto-proclamada “poeta e ativista de direitos humanos e de paz” francês, Raphael Cohen-Almagor, para defender o uso da burqa e do niqab em espaços públicos: a proibição do uso deste vestuário desrespeita um “direito humano básico”, que é a “liberdade religiosa”; atenta contra “a dignidade das mulheres que escolhem vestir-se........

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