Carta à Maria: o que quero que saibas sobre mim
Quando disse à minha filha Maria que o Observador tinha publicado um artigo de opinião da minha autoria, percebi-lhe um leve desapontamento no olhar. O tema era política — e, convenhamos, para uma criança de dez anos, isso pouco interessa. Com a franqueza habitual, perguntou-me: “Quando é que escreves sobre mim?”
Pois bem, Maria, não vou escrever sobre ti. Vou escrever para ti. Uma carta. Uma conversa de pai para filha. Uma forma de te contar um pouco destes cinquenta anos, meio século que completo em Maio
Querida Maria,
Como sabes, nasci numa ex-colónia. Os teus Avós trouxeram-nos para Portugal, tinha eu apenas quatro meses. Os teus tios tinham dois e seis anos respectivamente. Tínhamos de recomeçar do zero, como tantas famílias na mesma situação. Crescemos com as dificuldades do país e do tempo, mas crescemos. Não fomos os únicos. Não fomos os piores.
Aos nove anos, tive a oportunidade de viver no estrangeiro. Tudo era novo: escola, amigos, língua, costumes. Para mim, foi uma aventura. Um ano que valeu por muitos. Logo depois, um ano num colégio interno em Viseu. Essa, sim, foi uma experiência dura. Aos dez anos, ninguém está preparado para ficar longe dos pais, fechado entre muros e rotinas. Estávamos entregues a nós mesmos. E, nesse mundo pequeno, aprendi a impor-me, a construir defesas, a forjar carácter. A experiência moldou-me, e ainda bem. Foi difícil, mas valeu a pena.
Depois foi sempre a somar: estudei, trabalhei nas férias, nos fins-de-semana, nas horas vagas. Com isso, ganhei a independência que me........
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