A singularidade da Palestina

Como explicar a comoção global suscitada pela causa palestiniana e perceber a solidariedade militante que é manifestada por milhões de apoiantes? Como compreender o monopólio quase exclusivo da atenção dos meios de comunicação para a aventura de um grupo de pequenas embarcações de recreio, tripuladas, entre outros, por políticos à procura do reconhecimento internacional que perderam a nível doméstico? Como comparar a tragédia humana que acontece em Gaza, fruto de uma guerra provocada pela chacina de 7 de Outubro de 2023 perpetrada por assassinos palestinianos sobre civis israelitas, com a relativa indiferença com que se assiste à chacina ininterrupta, diária, de civis ucranianos, vítimas de uma guerra que lhes foi declarada por um vizinho imperialista e sanguinário, que jurou a sua exterminação, e que, para além da destruição física de um país, prossegue com a eliminação de várias centenas de milhares de vidas? Como designar de genocídio o que se passa em Gaza, quando não se atribui qualquer relevância aos milhões de mortos que acontecem, ao mesmo tempo, no Congo e no Sudão? Como justificar esta discrepância de reacção?

A explicação é dada por Mahmoud Darwich, poeta e escritor palestiniano (1941-2008) quando refere que o seu reconhecimento público como artista e activista resultava da importância atribuída a Israel: “Se o meu país tivesse sido ocupado pelo Paquistão, nunca ninguém teria ouvido falar de mim”.

O que se passa com Israel? Como é possível que uma nação suscite, durante séculos, tamanha crispação por parte de tantos povos que, da admiração, passam à inveja e depois ao ódio, culminando, até, na aterradora aprovação ou negação, por alguns, do genocídio dos Judeus? Como se explica o impacto de uma nação como Israel que, apesar de patentear uma história milenar, nunca logrou atingir um peso determinante na demografia e no poderio global, e foi sempre uma realidade ultra-minoritária?

Para nos ajudar a decifrar um novelo cuja complexidade se torna por vezes impenetrável aos nossos olhos, importa recorrer à História. E, para melhorar a nossa compreensão, vale a pena revisitar alguns momentos da escala do tempo, mesmo que de forma muito sintética.

As raízes de Israel são perceptíveis mil anos antes da nossa Era e a sua natureza foi-se formando no cadinho movimentado da explosão da Humanidade, que ocorreu com as grandes civilizações do Médio Oriente: Assírios, Babilónios, Egípcios, Persas, Gregos e, por fim, Romanos. Extraordinário que, ao contrário desses impérios que nasceram, cresceram em glória e terminaram em ignomínia, a nação dos Judeus, a quem os romanos humilhantemente expulsaram do seu berço, subsista com reconhecimento global no Séc. XXI.

Como qualquer nação do seu tempo, Israel construiu a sua espinha dorsal à volta de preceitos religiosos que foi aperfeiçoando e que, no seu caso, acabaram por se concentrar num único Deus para onde foram transferidos todos os poderes possíveis com o objectivo de servirem à protecção do povo eleito. Dotados dessa força infinita, os pequenos Reinos semitas cresceram em assertividade e ambição. Beneficiando da invenção das escritas dos seus vizinhos, as suas leis divinas ficaram compiladas em documentos que foram acumulando ao longo de séculos e a que mais tarde chamariam de ‘O Livro’. Ter um Deus que, na Terra, era apoiado por um Livro que arrumava as Leis dos homens, provou ser uma força inigualável. O Livro continha também as justificações históricas do carácter único do povo eleito, mas que hoje sabemos tratar-se de plágios sobre factos e mitos das sociedades com que os Judeus contactaram.

Com essa protecção e segurança máxima, a relação destas pequenas sociedades – crentes num Deus especial – com os impérios vizinhos não poderia ser fácil, acabando os Judeus por irritar e provocar esses poderosos vizinhos. Estes, como foi o caso dos Babilónios, reagiram invadindo o território dos Judeus, levando-os como escravos para a Babilónia. Nada que afinal não servisse para testar a capacidade de sobrevivência de um Povo, reflexos que irão funcionar por mais quase 3 milénios. Depois desta aparente falha na protecção divina, foi necessário repor a legalidade, e onde no Livro estava escrito que Deus protegeria os Judeus dos inimigos, foi acrescentado que Deus, vendo que os seus filhos se tinham tornado pecadores, solicitou aos Babilónios que lhes dessem uma lição. Importa depois referir que, quando por sua vez os Babilónios foram vencidos pelos Persas e estes ofereceram o regresso dos Judeus à sua terra, muitos não o fizeram porque, de escravos, já se tinham tornado banqueiros e eram necessários à vida da Babilónia.

Esta experiência babilónica de privação da raiz física da Nação, sediada no Templo, fez com que a ligação à terra nunca mais tivesse sido uma condição de sobrevivência para os Judeus, comunidade que conheceu, ainda, a migração temporária para o Egipto. Mas o afastamento da terra eleita vai tornar-se definitivo quando, já no Ano 135 da nossa Era, os........

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