A chantagem de Putin e Trump sobre a Ucrânia |
O estado da guerra na Ucrânia é intolerável. Resulta, desde 2022, da agressão e invasão de Vladimir Putin – frio e cruel, como sempre. Em 2025, resulta também de Donald Trump, pelo menos desde o encontro de Anchorage, em Agosto. O encontro, lembremos, destinava-se a estabelecer o cessar-fogo, que pararia de imediato o derramamento de sangue, como é indispensável em situações similares. É a paragem dos combates que mostra a vontade real de os beligerantes acabarem a guerra e cria as condições necessárias a iniciar conversações de paz, a seguir, e a poder tratar das questões mais difíceis. Sem cessar-fogo, nada feito.
A cimeira do Alasca foi o primeiro grande fracasso visível de Trump. Não conseguiu convencer Putin, mas Putin conseguiu vencer Trump. As consequências viram-se de imediato: imagem poderosa de Putin projectada para todo o mundo e reacendimento dos bombardeamentos em Kyiv e outras cidades, engrossando, todos os dias, o número de mortos e feridos civis ucranianos. A partir de Anchorage, Donald Trump também tem as mãos sujas de sangue, ao ter abdicado de impor o cessar-fogo e surgir não como aliado da Ucrânia, nem mediador imparcial, mas amigo de Putin. Não é nada que não se soubesse ou suspeitasse já. Os últimos meses têm-no posto a claro.
O dossiê da guerra na Ucrânia, que Donald Trump garantiu várias vezes resolver em 24 horas, está à beira de completar um ano perverso de curvas e contracurvas político-diplomáticas. Este fracasso coloca os EUA no lugar inverso ao que deveria ser o seu: com o inimigo, em vez de com os aliados.
Se o desnorte da política norte-americana continuar com este ritmo e cinismo, Kyiv 2026 corre o risco de ser ainda pior do que Cabul 2021, quanto a vexame e vergonha, além das demais consequências catastróficas. Aqui, sem boots on the ground, Trump segue o mesmo paradigma de asneira e irresponsabilidade, na leitura que faz da linha “America first”. Foi ele que, no primeiro mandato (2017-21), cabe lembrar, desenhou, negociou e estabeleceu os termos desastrosos do acordo com os talibãs, acertando tudo com estes, incluindo anexos secretos, sem dar cavaco sequer ao governo afegão da altura.
Depois de ser patente o fracasso sangrento da reunião no Alasca, Trump ainda fingiu tristeza e agastamento com a violência persistente da ofensiva russa. Balbuciou lamentos suaves. Eram sentimentos de plástico sem qualquer tradução: cada vez que o Presidente dos EUA se mexe é para mostrar-se mais alinhado com as exigências do Kremlin. Isso mesmo se viu no “plano de paz em 28 pontos” que irrompeu em fim de Novembro, de modo rocambolesco: cheiinho de cedências territoriais, perdão de crimes e outros pontos da agenda de Putin. As partes continuam às voltas com o “plano”, o que deve especialmente difícil, pois não tem ponta por onde se pegue.
Nítido é que Trump colocou a Ucrânia e Zelensky numa câmara de tortura: ao mesmo tempo que os americanos conversam com os russos e os ucranianos com os americanos, a Rússia bombardeia, todas as noites, as cidades da Ucrânia com mísseis e drones, causando mais mortes e destruição. O plano, entre Trump e Putin, é cerco contínuo e dose diária de bombas como chantagem para fazer Zelensky ajoelhar e assinar a “paz”, isto é, a rendição.
Como é possível o mundo inteiro, o Conselho de Segurança, assistirem indiferentes à Ucrânia ser torturada desta forma para aceitar, sob coacção brutal, cláusulas ofensivas da sua liberdade e independência e claramente contrárias ao direito internacional contemporâneo e à Carta das Nações Unidas? Ninguém se chega à frente em nome do direito? Está alguém no Conselho de Segurança? Alguém acordado na Assembleia Geral?
Fala-se muito de garantias de segurança, que, na verdade, não estão em falta: num acto de grande simbolismo, foram devidamente prestadas em Dezembro de 1994, pelo Memorando de Budapeste, cujo teor foi formalmente comunicado às Nações Unidas por duas figuras famosas: Madeleine Albright e Sergei Lavrov, que eram embaixadores norte-americana e russo junto das........