A caminho do abismo: Chamberlain, segunda etapa |
Seria terrível se a pomba da paz fosse, afinal, mais um abutre. Foi a dúvida que inquietou muitos quando, na semana passada, começaram a sair notícias sobre um “plano de paz” de Donald Trump na guerra da Rússia contra a Ucrânia. A forma propositadamente descuidada como tudo foi sendo vazado, em modo “diz-se, diz-se”, feriu a honra ucraniana – a Ucrânia é o objecto da guerra e, portanto, do plano – e abalou outra vez a confiança na Casa Branca.
Há versões desencontradas sobre como aconteceu, ao ponto de enervarem publicamente senadores republicanos face ao pendor claramente pró-Putin do plano. Chegou a dizer-se que o texto resultara de dois diplomatas de alta craveira: Steve Witkoff, empresário do mercado imobiliário, enviado especial dos Estados Unidos para o Oriente Médio e enviado especial para Missões de Paz, e Kirill Dmitriev, chefe do fundo soberano da Rússia. Nunca se saberá, o que é espantoso.
Nesta matéria, houve vários golpes consecutivos na credibilidade e no prestígio da administração Trump: primeiro, inventar, à queima-roupa, este papel, fazendo-se porta-voz das mais canalhas reivindicações de Vladimir Putin; segundo, fazer circular os 28 pontos como se fossem verdadeiros, mas sem os certificar como tal e, assim, mantendo a incerteza; terceiro, libertar a intimação a Zelensky para que os assinasse até 27 de Novembro, “Dia de Acção de Graças nos EUA”; quarto, confirmar que o memorando foi preparado com a Rússia, sendo evidente que nada foi discutido com a Ucrânia (o único objecto), nem com a União Europeia, a NATO e o Reino Unido (parceiros dos EUA, também mencionados no documento); quinto, brincar às escondidas com os aliados na NATO e com a Ucrânia, num movimento político e diplomático de alta sensibilidade, agindo com total irresponsabilidade; sexto, a acusação teatral de que “a ‘liderança’ da Ucrânia não demonstrou qualquer gratidão pelos esforços” dos EUA para alcançar a paz, repetindo o teatrinho Calimero na Sala Oval.
Ninguém viaja constantemente com calhamaços de leis e decretos. Ninguém precisa de consultar colecções de tratados a toda a hora para saber quais as regras por que deve reger-se e como orientar a sua acção. O que sempre viaja connosco para todo o lado é o que chamamos de moral: diz-nos o que é justo e o injusto, o que é certo e o errado, o que é bem e o mal. Mesmo quando em silêncio, fala-nos sempre por dentro de nós.........