Esquerda - quatro tiros no porta-aviões

A esquerda portuguesa é uma massa informe de indivíduos e instituições onde cabe muito do tecido político, noção que remonta aos tempos imediatamente posteriores ao 25 de Abril, quando qualquer força política emergente tinha por necessário invocar credenciais “de esquerda” para assim se demarcar do Estado Novo.
Foi deste modo que herdámos, p.ex. um partido democrata-cristão que se afirmava “do centro”, ou um partido social-democrata que se afirmava (e ainda afirma) socialista. Mas o tempo veio a clarificar e corrigir esta deriva meramente semântica e propagandística, ainda que lentamente, como é apanágio dos processos históricos.
A esquerda portuguesa, tanto ao nível dos indivíduos, como ao das instituições políticas, nomeadamente os partidos, encontra-se num processo de acentuado e crescente declínio de influência junto do eleitorado e da opinião pública, que não é homogéneo, nem deve ser entendido como simples cópia do que se passa alhures.
De facto, as principais instituições políticas claramente posicionadas á esquerda do espectro político têm propriedades que as individuam e é nessas diferenças que importa buscar as causas dos respectivos sucessos ou insucessos.

1.PCP
Começarei pelo mais antigo dos partidos ditos de esquerda, uma organização que remonta ao princípio do século passado e que se afirmou pela tenacidade com que combateu o Estado Novo, frequentemente à custa do sacrifício dos militantes ou simpatizantes.
O PCP defendeu, desde sempre, o modelo soviético e, sustentado como era pela URSS, sempre apoiou as decisões da direcção política daquele Estado, mesmo as mais controversas e evidentemente atentatórias dos direitos humanos, como fossem as invasões da Hungria e da Checoslováquia, ou a intensa e dura repressão de quaisquer opiniões diferentes.
As experiências francesa e italiana, onde o aggiornamento conduziu os partidos comunistas à irrelevância, terá persuadido sucessivas direcções do PCP de que só a colagem férrea à ortodoxia soviética permitiria a sobrevivência da instituição, postura afirmada com a saudação quixotesca à tentativa de golpe do KGB contra Gorbatchev e que se mantém ainda hoje, transmutada no apoio efectivo (mesmo quando timidamente desmentido) à aventura imperial de Putin.
Após a queda do regime soviético e a evidência pública do falhanço do modelo, aos níveis económico, social e político, os eleitorados europeus têm rejeitado de forma maciça e permanente qualquer veleidade de regresso àquela opção, para mais quando o modelo CEE/UE tem conduzido os Estados membros a níveis crescentes de prosperidade, que, apesar de todas as imperfeições, desafiam qualquer comparação com as anteriores experiências ditatoriais.
O PCP continua, assim, prisioneiro de um discurso passadista, que apenas encontra algum eco no eleitorado mais velho e menos escolarizado, sobrevivente e ainda saudoso dos idos de 1975, das expropriações da reforma agrária, das nacionalizações selvagens e das prisões arbitrárias do COPCON, um eleitorado que vai desaparecendo, quer pelo acesso à informação, quer pela extinção natural, quer ainda pela emergência de novas organizações de protesto, dotadas de maior vigor no discurso e juventude na liderança.
Enredado nas contradições que sempre atribuiu à “burguesia”, mas de que afinal é ele próprio vítima, o PCP contorce-se para apoiar Putin com um discurso canhestro e cavernícola, que se resume a “se os EUA estão a favor, nós somos contra”, não interessando o quê.
Sem argumentos, propondo um modelo de sociedade inapresentável, ao PCP resta a defesa indigente da saída de Portugal do euro e regresso ao escudo, solução que, naturalmente, levaria ao êxodo dos operadores económicos relevantes e à imediata queda do nível de vida de toda a população, o que, compreensivelmente, não agrada à generalidade dos eleitores.
Embora seja evidentemente um “partido de funcionários” (M. Duverger), a persistência na fantasia de “partido operário”, onde se busca uma maioria destes profissionais na direcção política, é ainda uma das causas profundas do declínio comunista, por um lado porque exclui ou tolhe quadros de maior qualidade, com nível mais elevado de formação e superior compreensão da sociedade contemporânea, por outro lado porque o tecido laboral português, como outros, apela muito mais aos serviços, ao trabalho de menor componente braçal e maior exigência intelectual, associada a categorias que, por si mesmas, se excluem do........

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