Na base da propensão de muitos portugueses para aceitarem eventuais pagamentos de reparações pelo tráfico de escravos africanos está uma má consciência que, nas últimas décadas, tem vindo a ser instilada na mente dos povos ocidentais. Haverá razões para essa má consciência? Houve-as, e muitas, mas já não as há. Repito e sublinho: já não as há.
Quando, em meados do século XVIII — e apenas a partir dessa época —, surgiu e se afirmou, no mundo ocidental, uma forte tendência para contestar e condenar o tráfico transatlântico de escravos, Portugal tinha muitos motivos para ter má consciência a esse respeito e esses motivos tornaram-se ainda mais fortes nas sete ou oito décadas que se seguiram. É verdade que o país não criara o tráfico negreiro, nem a escravização de pessoas, que eram práticas intemporais. Mas ao chegarem por mar às costas e ilhas da África sub-sariana e ao descobrirem o Brasil, os portugueses inauguraram um novo canal — o Atlântico — e um novo circuito ou negócio escravista euro-afro-americano pelos quais, por responsabilidade política portuguesa, haveriam de transacionar-se e escoar-se 4,5 milhões de escravos. Acresce que, numa época em que o tráfico ia passando de contestado a ilegalizado, Portugal resistiu teimosamente às novas ideias e leis abolicionistas. É verdade que havia alguns abolicionistas assumidos no país — Soares Franco, Morais Sarmento, Sá da Bandeira, Lavradio, entre outros —, mas, no geral, Portugal era toleracionista. Isto não quer dizer que os portugueses fossem favoráveis ao tráfico negreiro. Significa, isso sim, que o toleravam, ainda que o desaprovassem, porque estavam convencidos de que o seu fim repentino lesaria irremediavelmente as colónias. Podiam aceitar o fim gradual do tráfico, mas não a sua supressão imediata. A sua era uma atitude expectante de simpatia sentimental pelo escravo, de lamento perante........