As palavras amargas de Eliane Brum

O Brasil tem coisas extraordinárias em áreas tão vastas e diversas que vão da culinária às artes ou às ciências. Teve e tem, também, figuras históricas admiráveis em todos os campos da actividade humana, de José Bonifácio a Chico Buarque. Mas ao mesmo tempo que tem dado ao mundo coisas e gente de nível superlativo, o Brasil tem, nas últimas décadas, exportado para esse mundo, sobretudo para Portugal, uma irritante conversa a que podemos apropriadamente chamar queixume brasileiro. Em que consiste esse queixume que aqui nos chega pelas vozes e mãos de artistas, jornalistas, políticos e intelectuais sortidos residentes nesse, ou provenientes desse, país tropical? Na acusação e culpabilização sistemáticas dos antigos portugueses e do Portugal de há 200, 300 ou 400 anos por algumas das dificuldades, injustiças e desequilíbrios da actual sociedade brasileira.

O livro que, com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, acompanha a exposição “Complexo Brasil” contruiu-se em parte, infelizmente, em torno desse queixume. No meu anterior artigo contestei certas vertentes da maneira como José Miguel Wisnik, o curador da exposição, pensa Portugal e os portugueses no contexto da história da escravatura. De todo o modo, no final do texto que assina nesse livro, Wisnik afirma que “mais que tudo, Complexo Brasil quer ser um encontro da gente brasileira com a gente portuguesa, (…)”. Parece todavia uma péssima ideia e um mau cartão de visita de quem quer promover esse “encontro” que se entre em casa do anfitrião português a invectivar os seus pais ou avós. Não será no mínimo de mau gosto vir a um país, para aí viver ou para expor um trabalho, e trazer na mão direita um saco cheio de acusações aos habitantes desse país ou aos seus antepassados?

A mais recente rajada de amargas e corrosivas acusações saiu da escrita de Eliane Brum. Essa jornalista, a mais premiada da história do Brasil, escreveu, no livro que acompanha a exposição que pode ser vista na Gulbenkian, um texto a que deu o título de “Carta de desfundação do Brasil dirigida aos descendentes dos súbditos do rei Dom Manuel I”. O principal objectivo dessa “Carta” é pedir ajuda aos portugueses para salvar a Amazónia e tudo o que ela contém e representa. Como aí se afirma, “precisamos de vocês, descendentes dos invasores, para barrar a destruição dos brasis”. Todavia, ao mesmo tempo que pede com uma mão, esbofeteia com a outra. De facto, Eliane Brum responsabiliza os portugueses contemporâneos, a quem pede auxílio, pelas consequências negativas da colonização portuguesa, como sejam a apropriação de terras indígenas e a escravidão. É certo que na........

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