Trump, Kamala e os limites do poder

É geralmente atribuída ao iluminista francês Montesquieu a doutrina de separação de poderes como a conhecemos hoje, entre o ramo executivo, legislativo e judicial. Na verdade, esta muito que o precede, traçando a sua génese aos filósofos atenienses da Antiguidade. A ideia, muito simplesmente, é a de que os órgãos de soberania e, em sentido lato, os poderes públicos, se devem controlar reciprocamente de modo a impedir excessos ou instâncias de abuso de poder. Na tradição anglo-saxónica, numa alusão ao equilíbrio gerado por este sistema de fiscalização mútuo, fala-se mesmo em “checks and balances”, ou freios e contrapesos.

Ora, os mecanismos de freios e contrapesos do sistema político norte-americano foram essenciais para mitigar os tiques despóticos de Trump durante todo o seu mandato, no quadriénio 2017-2021. Basta recordar os dois “impeachments” na Câmara dos Representantes; os casos de “shutdown” do governo, um dos quais o mais longo da história dos EUA, devido ao braço-de-ferro iniciado pela recusa dos Democratas em financiar a construção do muro ao longo da fronteira com o México; as centenas de derrotas em tribunal de ações executivas, como a falhada revogação do programa de proteção de jovens indocumentados; as várias tentativas frustradas de politizar ou obstruir a justiça, incluindo a célebre recusa de James Comey e Don McGahn em compactuar com ilegalidades; os esforços mal-sucedidos no sentido de pressionar Jerome Powell, Presidente da “Fed”, a reduzir as taxas de juro de modo a estimular a economia em período pré-eleitoral; as inúmeras guerras com a dupla Pelosi/Schumer, a “speaker” da Câmara dos Representantes e o líder do Partido Democrata no Senado, e até com o seu próprio vice-presidente, Mike Pence, quando este se opôs categoricamente à não-certificação da sucessão do executivo após a vitória eleitoral de Biden em 2020.

Em suma, o sistema de freios e contrapesos enfrentou desafios sem precedentes durante a presidência de........

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