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Da serotonina ao sentido: o que não cabe num comprimido

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30.10.2025

Olho para o meu receituário com um misto de admiração e desdém. Apesar de se prescreverem medicamentos eletronicamente, ainda há casos em que as receitas manuais têm lugar, e este resquício do passado é uma forma corpórea de um conceito sobre o qual muitos pacientes fantasiam: a omnipotência.
Como psiquiatra e terapeuta, vejo muitas pessoas, todas elas tão únicas como as impressões digitais que carregam na ponta dos dedos. Contudo, há um fio condutor em muitas das que passam pelo meu consultório (e principalmente nas mais novas): a crença na existência de um remédio miraculoso para todos os males e perturbações que as apoquentam. Ora, esta “fascinação” é substituída, na maior parte das vezes, por uma profunda desilusão quando eu, na minha qualidade de clínica da área da saúde mental, informo, o mais tardar a um quarto de hora do fim da consulta, que este “elixir” ainda não foi descoberto.

Devem pensar que acabei de me passar um atestado de incompetência. Afinal, de que serve uma psiquiatra com o seu receituário, que afirma não conseguir curar estas coisas? Será uma pessoa enfastiada pela vida, antiquada nas suas ideias? Posso dizer, com confiança, que não. Sou apenas uma realista que sabe que a cura para a “moléstia” que é a condição humana não está ao alcance de uns rabiscos ininteligíveis num receituário. Esse é um domínio da ordem dos deuses.

Mas não confundamos lucidez com desespero. Há lugar, e um lugar bem honroso, para a medicação. Em muitas situações, os psicofármacos são instrumentos essenciais: devolvem o sono, reduzem a ansiedade, apaziguam o desespero e anedonia, e criam uma plataforma mínima de........

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