As fontes narrativas medievais portuguesas |
Para compreendermos como éramos — ou, mais precisamente, como era uma parte das elites portuguesas durante a Idade Média —, as chamadas “fontes narrativas” assumem um papel fundamental. Entre estas fontes, destacam-se as crónicas, os livros de linhagens e os anais. Apesar de relativamente escassas, durante muito tempo, constituíram a espinha dorsal do conhecimento histórico que se transmitia e vulgarizava sobre o passado remoto português. A persistência das imagens construídas ou veiculadas por estas fontes é impressionante. Quem as conhecer, encontra facilmente o seu eco em manuais escolares e autores vários – para não falar na importância que tiveram enquanto modelo ou fonte de inspiração para artistas plásticos, ficcionistas e afins.
Crónica de D. João I.
Nas últimas décadas, elas têm sido alvo de redobrada atenção. Estuda-se o seu contexto de produção, a sua intencionalidade política, as estratégias retóricas e literárias que os seus autores usavam para convencer quem os lia ou ouvia ler. É verdade que, de um modo ou de outro, estes aspetos sempre foram uma preocupação. Nunca se ignorou a existência de histórias partidárias e toda a história corria o risco de assim poder ser considerada. O famoso prólogo da primeira parte da Crónica de D. João I, de Fernão Lopes, com as suas críticas aos autores movidos pela “mundanal afeição” (e por isso não isentos) é só um exemplo dessa suspeita. Também sempre se soube que a escrita da história tinha, potencialmente, efeitos sobre o presente, e isso motivava pressões, queixas, indignações, vigilâncias – aí está outro cronista do século XV, Gomes Eanes de Zurara, a dizer numa das suas obras que ainda mal pegava na pena para escrever e já tinha muita gente a espreitar por cima do seu ombro. É fácil perceber a sua angústia: como narrar a cobardia de tal ou tal nobre que fugiu do campo de batalha, na presença de um filho ou neto desse nobre bem colocado e a quem porventura........