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A raiz do pensamento

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29.09.2024

Há o cérebro e há o pensamento. O cérebro cria o pensamento. E o pensamento organiza e estabiliza o cérebro. Já o comportamento é o meio através do qual o pensamento passa do dentro para o fora, se expressa e se partilha. Depois, há a palavra. Que é dentro e é fora. Que liga cérebro, pensamento e comportamento. E os alinha. E afina.

Vivemos num tempo em que a palavra pensar entrou em desuso. E em que o comportamento domina tudo aquilo que o digital entende considerar como vida mental e saúde mental. Mas reduzir o pensamento ao comportamento é o mesmo que privilegiar o resultado ao processo. Como se o destino valesse mais que o caminho. Ou as soluções da última página fossem sempre melhores que o raciocínio e o método com que se chega até elas. Como se os resultados, as audiências ou os números finais — muito mais do que as dúvidas, as perguntas ou o modo como, de erro em erro, se aprende a pensar — atestassem o pragmatismo e a eficácia da forma como se pensa. Separar o comportamento do pensamento parece dar a entender que as perturbações de comportamento se estruturam à margem dos viés do pensamento. E que ele não será incontornável para mobilizar os recursos indispensáveis para as ultrapassar.

Vivemos um tempo em que consolidámos o trajecto que vai da ciência até à técnica, que fez com que, com ela, a vida se tenha tornado muito mais fácil, menos imprevisível e mais domesticável. Um tempo em que passámos a ter um computador de bolso capaz de nos responder às questões mais esdrúxulas que entendamos colocar-lhe. Capaz de prever o tempo que vai fazer como quem adivinha o futuro. E com um GPS que nos torna, todos os dias, donos do nosso destino. Um tempo que nos favorece com tantos instrumentos capazes de nos darem a ilusão de sermos tão mais inteligentes do que somos que, na maior parte das vezes, eles acabam por iludir os modos diversos com que fugimos de pensar.

Estamos tão viciados em soluções técnicas que tornem a vida mais fácil que, progressivamente, a psicologia deixou de ser um processo compreensivo e escorregou para uma deriva com a qual deixou que a saúde mental se colasse ao “como controlar” ou ao “como resolver”. Que a encaminhou para um fast-food de conselhos e dicas, para o “faça você mesmo” (a partir de sites ou de tutoriais) ou para bibliotecas de auto-ajuda que cresceram e ganharam escala. E que, agora, se centram no controlo dos medos, da raiva e das emoções como se a psicologia servisse mais para controlar e controlar do que para sermos livres. Por mais que haja quem, em nome dela, apesar do ênfase no controle do comportamento, nos fale da felicidade. Como se o pensamento se tornasse tanto mais eficaz quanto menos ele se utiliza para pensar.

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É verdade que, por força de toda a revolução que as novas tecnologias trouxeram à comunicação e aos dados, este é um tempo em que a realidade parece ter deixado de ser o que é, passando a ser só uma opção para o pensamento. (O que o confunde.) Tal é a importância que os algoritmos passaram a ocupar na nossa vida, o que nos faz imaginar que, consoante o perfil das nossas pesquisas, assim a realidade acabe por ser aquilo que querermos que ela seja. Tornando-se “personalizada”. “Prê-à-porter”. Muito mais........

© Observador


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