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A amizade

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18.10.2024

Ando a aprender a ser divorciada e não é fácil o silêncio, a casa vazia, imagino que caio na banheira, ou escadas abaixo, encontro-me para cafés com as mulheres mais livres e, na rua, dou com as mulheres sozinhas, cada qual tem a sua singularidade, uma, de cabelo curto, fuma e fala dos colunistas deste jornal, outra vi comer caracóis e beber imperiais, usava um vestido azul sem costas, tatuagens pequeninas como aranhiços braços acima, outra, usava sabrinas, tinha longos cabelos ruivos, nunca mais me saiu da cabeça, eram sete da tarde, na esplanada, bebia vinho branco, quase uma Rita Hayworth vinda do escritório, um alto quadro de uma empresa de telecomunicações, segundo entendi, outra, escritora e sábia, bebia chá de tília e comia uma tosta de queijo, tens de arranjar um namorado, de preferência estrangeiro, outra, de bengala, então diga lá que coisas doces é que tem hoje?, escolheu uma Coca-Cola e uma bola de berlim, outra, ainda mais generosa, fala-me da maravilha meditativa do tricô, comentamos como as pessoas na cidade dão pouca confiança umas às outras e raramente abrem as casas aos amigos, conto-lhe que se agendam chamadas telefónicas, rimos, mulheres sozinhas, conheci a minha dose desses bichos, odiavam cozinhar (o frigorífico vazio: marmitas esquecidas e frutos tristes), maldiziam o trato da roupa, ou eram as mais prendadas a fazê-lo, não há duas mulheres iguais, a minha mãe, sozinha em casa numa montanha na Etiópia, a minha mãe talvez seja uma santa, coisas nas quais reparo agora, reparo nos dentes das pessoas, há dentaduras que já tiveram duas, três vidas, reparo se arranjam ou não as unhas, reparo nas cutículas das unhas das pessoas e se têm ou não olhos tristes, lembro-me de uma amiga que me costumava falar da avó e dizia........

© Observador


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