Convido o leitor a imaginar, por alguns instantes, um homem de negócios sem escrúpulos que prospera com a comercialização de madeira e derivados, abatendo árvores que não plantou. Um certo dia, ele decide propor aos aldeões, já órfãos da sua floresta secular, um simpósio para debater a protecção da mesma. O leitor não levaria a sério essa iniciativa, pois não?
Agora apresento-lhe um Presidente da República que utiliza avião fretado a preço de ouro para viajar pelo mundo, quase uma vez por semana, tudo à custa do raquítico erário público e, em setembro de cada ano, vai à tribuna da ONU apregoar versículos ecológicos. Esse mesmo chefe de Estado que, no país onde foi democraticamente eleito, a Guiné-Bissau, assaltou e neutralizou os outros órgãos de soberania e o seu regime de terror ataca, espanca e aprisiona arbitrariamente cidadãos indefesos e à revelia de despachos emitidos pelos tribunais. Esse mesmo regime organizou em Bissau, entre os dias 27 e 29 de maio de 2024, uma conferência internacional sob o tema “A justiça e os desafios contemporâneos”, com alto patrocínio dos organismos do sistema das Nações Unidas. Para o primeiro dia, o painel um “A constituição e as instituições democráticas” tinha como orador um ilustre do direito constitucional, o Professor Jorge Bacelar Gouveia. Não escutei a sua intervenção e nem tenciono fazê-lo, simplesmente porque a minha aversão a farsas se sobrepõe à minha vontade de aprender. No entanto, pude ler e ouvir declarações suas à margem da conferência e que, no fundo, valem mais do que toda a sua intervenção no dito evento.
Primeiro, numa notícia veiculada pela agência Lusa e, num tom sarcástico, o constitucionalista dizia estranhar, passo a citar, “… que tendo havido de facto a alegação no que respeita à inconstitucionalidade da dissolução da Assembleia Nacional Popular, a questão não tenha sido levada aos tribunais competentes”.
O leitor menos atento ou que não disponha de todos os elementos diria, e com razão, “mas que mal tem o que disse o professor?” A resposta é simples. No dia 8 dezembro de 2023, quando questionado pela DW África sobre a legalidade do decreto que dissolvera o parlamento, Jorge Bacelar Gouveia respondia assim:
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“É ilegal, nesse sentido é inconstitucional. Um acto inconstitucional grave, porque dissolve o parlamento numa altura em que não o pode fazer. A constituição é muito clara no seu artigo 94° que diz que a dissolução da assembleia nacional popular só pode acontecer ao fim de um ano de uma nova eleição. Ora, a última eleição foi a 4 de junho, portanto até 4 de junho de 2024 não pode haver qualquer dissolução. Este é o primeiro aspecto que parece claro. Mais adiante, “não há uma grave crise política, há sim uma grave crise jurídica de violação das leis, sobretudo no que respeita à detenção de pessoas e actos policiais e contra-policiais. Um problema de legalidade policial não é um problema de crise política. O acto sendo inconstitucional, de acordo com as regras do artigo 8° da constituição, é um acto inválido, significa que é nulo, não produz efeitos........© Observador