Eleições presidenciais 2026: entre o fim e o abismo |
As eleições presidenciais de 18 de Janeiro de 2026 cristalizam, numa única data, mais de um século de ambiguidades da República portuguesa. Desde o golpe de 1910 que derrubou a Monarquia Constitucional e instituiu o regime republicano, Portugal vive numa espécie de laboratório político instável, sucessivamente remendado, raramente reformado de raiz. A promessa de progresso, racionalidade e modernidade foi sendo corroída por governos efémeros, golpes, ditaduras, transições e, já em democracia, por uma cultura política de curto prazo, fragmentada e frequentemente capturada por interesses partidários e clientelares. Em 2026, não se escolhe apenas um novo Presidente da República: confirma-se, ou não, o esgotamento de um modelo.
O elenco de candidatos com expressão política nacional é numeroso, quase barroco, como se o sistema tentasse compensar a falta de grandeza institucional com a abundância de nomes. A lista impressiona, mas não eleva. Em torno de um eixo central — Henrique Gouveia e Melo, Luís Marques Mendes, António José Seguro e André Ventura — gravitam outras figuras com maior ou menor densidade política: João Cotrim de Figueiredo, Catarina Martins, António Filipe, Jorge Pinto, André Pestana, Manuela Magno, Vitorino Silva, Joana Amaral Dias, entre outros, formando um mosaico que diz mais sobre a fragmentação do país do que sobre a sua vitalidade democrática.
Henrique Gouveia e Melo, almirante na reserva, figura da campanha de vacinação contra a COVID-19, apresenta-se como independente. É um candidato construído sobre um mito tecnocrático: o do “gestor de crises” aparentemente acima dos partidos, ungido pela eficácia operacional e por uma linguagem de dever, disciplina e serviço. Mas a mesma aura de independência encerra um risco: a quase ausência de densidade programática e de reflexão política explícita. O que num contexto de pandemia soava a virtude — foco na execução, desprezo pela retórica — pode transformar-se, numa Presidência, em inquietante silêncio estratégico. A figura do militar eficiente converte-se, assim, em símbolo ambivalente: tranquiliza quem sonha com ordem num sistema cansado, mas inquieta quem teme uma presidência sem verdadeira gramática constitucional própria, guiada mais por instinto do que por doutrina.
Luís Marques Mendes surge como o rosto mais depurado daquilo que se poderia chamar o “establishment civilizado”: ex-líder do PSD, velho frequentador dos corredores do poder, comentarista televisivo disciplinado, figura de centro-direita domesticada pela experiência e pelo comentário semanal. A sua candidatura parece saída de uma espécie de museu do regime: tudo nele respira prudência, moderação, cálculo. É, em simultâneo, o candidato que menos assusta e o que menos inspira — quase um administrador judicial da República, convocado para gerir o declínio sem o nomear. A força da sua biografia é também a sua fraqueza: encarna a continuidade de um sistema que muitos consideram exaurido. A sua eventual eleição seria, para muitos, o triunfo da resignação lúcida sobre qualquer veleidade de refundação.
António José Seguro, por seu lado, encarna o socialismo resignado: antigo líder do PS, regressado de um exílio político relativamente discreto para recapturar um partido fatigado e um eleitorado órfão de referências claras. A sua candidatura tem algo de profundamente melancólico: o país que, em tempos, pediu a Sócrates e Costa reformas e protagonismo europeu agora parece inclinar-se para uma figura cuja maior promessa é a de não perturbar demasiado, de não rasgar, de apenas gerir com urbanidade. Seguro surge como o candidato da moderação sem carisma, da decência sem grandeza, da estabilidade sem impulso: é a forma civilizada de abdicar de ambições mais altas, de transformar a chefia de Estado na administração discreta de uma rotina institucional.
No extremo........