A razão e o povo

N’A Morgadinha dos Canaviais, cuja ação decorre no final da década de sessenta do século XIX numas aldeias do Minho, Júlio Dinis descreve, como pano de fundo do enredo principal, um processo eleitoral em que a angariação dos votos das “potências eleitorais” da terra tem todos os ingredientes do “caciquismo” (palavra utilizada pelo autor): “para este o emprego de um afilhado, àquele o bom êxito de uma demanda, a outro o pagamento de uma dívida, ou o resgate de uma hipoteca, e a alguns até nua e descaradamente o dinheiro.”

As “potências eleitorais” são aqueles eleitores que valem vários votos, como o Joãozinho das Perdizes, um morgado que surge no dia das eleições a conduzir os eleitores da sua freguesia ao local de voto – a igreja matriz – como se de um rebanho se tratasse. Cada um deles traz no bolso o respetivo boletim, já preenchido pelo Joãozinho. Mesmo que soubessem ler, não conheceriam os nomes escritos no boletim nem saberiam o significado do que estavam a fazer. O morgado vale tantos votos quantos os eleitores da sua freguesia.

“Tendes visto um guardador de cabras à frente do seu rebanho, conduzindo com acenos e assobios todas as barbudas cabeças daquele regimento quadrúpede? Pois vistes o mais perfeito simile da cena que se presenciava agora no adro da igreja matriz. O povo, o povo soberano, que naquele dia tinha nas mãos o cetro da sua soberania, não era menos dócil do que os irracionais que recordámos.”

Júlio Dinis lamenta-se de que o povo, ao qual quarenta anos antes tinha sido atribuído o poder de escolher os seus representantes – a “nobre regalia”, como lhe chama –, não compreenda ainda “a grandeza da augusta missão que lhe cabe executar”. “Depois das nossas lutas civis [entre liberais e........

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