A 19 de Maio de 1975, a comissão de trabalhadores do ‘República’ suspendeu a administração do jornal, os seus chefes de redacção e ocupou as respectivas instalações. No livro, ‘Mário Soares e a Revolução’, David Castaño refere que o novo director afecto ao PCP, num editorial saído após a ocupação, referiu que os anteriores directores mereciam respeito sendo-lhes proposto “que se retirem para continuarem a merecer essa palavra”. O argumento oficial foi o de elevar o debate político e proteger a democracia. Na prática, o PCP queria silenciar o ‘República’ que era próximo do PS.
Naturalmente, Mário Soares não ficou calado. O caso ‘República’ foi a acha para a fogueira que serviu de pretexto para que Soares trouxesse o povo para a rua. A concepção de Soares, para quem a liberdade de informação era essencial para que vivêssemos num regime livre, foi repudiada pelo Conselho da Revolução que considerou a economia como prioritária. Para o Conselho da Revolução, as pessoas não estavam preocupadas com a liberdade de imprensa, mas interessadas em viver melhor. Foi nessa altura que Mário Soares saiu do governo e foi para as ruas. Foi aí que se tornou ainda mais claro na defesa do que Francisco Sá Carneiro dizia desde o 25 de Abril de 1974: que num Estado de direito só os eleitos podem governar, os poderes devem estar separados e qualquer infracção destes princípios coloca em perigo a democracia.
As declarações de Pedro Adão e Silva sobre o funcionamento da comissão de inquérito à gestão da TAP recordaram-me o episódio do ‘República’. Nos últimos dias, o ministro da cultura insurgiu-se contra a política espectáculo das comissões parlamentares e do comentário político. As suas intervenções são, no mínimo, curiosas porque ficou calado aquando dos acontecimentos violentos que ocorreram no gabinete de um ministro, seu colega de governo. Nessa altura, e para Adão e Silva, esses factos não terão sido cenas próprias de “cinema americano de série B” nem mereceram um comentário que as qualificasse como sendo menos cordiais e onde essa “tendência para a política espectáculo onde há uma espécie de réplica na política daquilo que se passava no comentário desportivo ou nos reality shows é uma coisa degradante na democracia”. Na melhor das hipóteses, o ministro da cultura achou que tais considerações, além de degradantes, seriam uma interferência inaceitável nos assuntos de outro ministro e que há fronteiras que devem ser respeitadas. Lamentavelmente, o que acha válido entre membros do governo já não o é entre poderes do sistema político.
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