Têm-se sucedido, sem parança, escritos aqui e ali, agora repisados pelas chamadas redes sociais, onde se repetem intrujices sobre a história de Torres Novas que exercem o efeito nefasto de enganar os incautos e de deformar as cabecinhas, principalmente da gente mais nova, doutrinada com uma série patetices que alguns pensam tratar-se de História.
Os frades Bernardo de Brito e António Brandão iniciaram em 1597 uma monumental “Monarquia Lusitana”, onde inventaram uma infindável série de patranhas sobre a história de Portugal e por isso justamente ficaram conhecidos por “patranheiros”. Vivia-se numa certa depressão identitária da história pátria, em resultado da humilhação dos depois somados 60 anos da ocupação castelhana e, por isso, tratava-se de garantir, às coisas da pátria, uma antiguidade e uma legitimidade original que a pusessem a salvo da dissolução na história da península. Portugal tinha sido uma emanação divina. Os ilustres patranheiros dedicaram-se alegremente a inventar antiguidades para todas as terras e terreolas do país, escrevendo do seu próprio punho “lendas” que não passam de criações literárias e que não eram lendas nenhumas em sítio algum.
A esse caldo criativo se devem praticamente todas as grandes aldrabices que deram corpo à história ideológica que o Estado Novo promoveu, desde a padeira de Aljubarrota ao alcaide de Faria, como a afim “lenda de Gil Pais”, passando pelo milagre de Ourique, onde Nosso Senhor apareceu numa nuvem às cinco da tarde para inspirar o primeiro Afonso na decisiva batalha contra os infiéis, tal como apareceram dezenas de imagens enterradas e milagrosamente descobertas por todos os cantos do solo sagrado do país.
No que à sorte nos calhou deste maná, há quem continue a repetir histórias inventadas e escritas como se fossem “lendas”, nos séculos XVI/XVIII, e que já eram patéticas quando serviram de cuspo patriótico à história inventada do Estado Novo: não, nunca houve nenhuma “Neupergama” fenícia ou “Kaispergama” grega (“na lenda” inventada, só faltou dizer se foi de manhã ou depois de almoço que Ulisses e os seus companheiros “subiram o Tejo e meteram pelo Almonda e nele se divertiram em alegres pescarias”), ou grega e romana, ou cartaginesa, conforme as “lendas”, nunca houve nenhuma “Nova Augusta” romana, nem nenhuma “cividade de Beselga”, nunca houve “a cidade de Concórdia”. Nem a Senhora do Ó apareceu numa penha do castelo, ainda por cima já grávida, nem existiu qualquer “lenda do Senhor Jesus”, uma invenção literária grosseira do século XIX (falamos da “lenda”, a imagem pode ser seiscentista e o culto já estava enraizado nos finais do século XVIII), intrujice com requintes de erudição criada no contexto dos graves conflitos entre a Misericórdia e o padre de Santiago por causa dos altos rendimentos da capela do Senhor Jesus, em dinheiro e azeite.
A festança não dá sinais de trégua. Depois da rábula recente do “português mais antigo ser torrejano”, a respeito dos restos de um crâneo de Neandertal encontrado numa gruta junto à nascente do Almonda, que devia fazer corar de vergonha os arqueólogos, em vez de assistirem, embevecidos, à alarvidade política oportunista, e a respeito de um obscuro artigo de um autor francês, surgiu dos céus mais uma bem-aventurança para este sagrado rincão do abençoado reino socialista: o culto de Nossa Senhora do Ó teve início em Torres Novas. Só podia.
Ainda vamos em Março e outra aldrabice começa a tentar fazer caminho: “o berço do mutualismo é Fungalvaz”, onde foi instituída uma confraria em 1176. Desvirtuando grosseiramente o teor de um livro, “Origens do Mutualismo em Portugal”, de Joana Dias Pereira, em que a autora se limita a explicar, numa espécie de exegese histórica, que há princípios e determinadas práticas das antigas confrarias medievais com contornos semelhantes aos do moderno mutualismo, surgido no século XVIII, já se escreve por aí que “o mutualismo teve início no século XII”, e mais precisamente na confraria de Fungalvaz, de 1176. Por outro lado, ainda que isso pudesse ser um argumento, a autora em lado nenhum do seu livro diz, nem poderia dizer, que a confraria de Fungalvaz é a mais antiga de Portugal, porque não é (diz, concretamente, e só pode dizer isso, que o compromisso da confraria de Fungalvaz é “um dos mais antigos de que há conhecimento, datado do século XII”, p. 54). Falta explicar que é uma cópia do compromisso, datada do século XVI, porque praticamente todos os compromissos originais das confrarias dos séculos XII e XIII desaparecerem, como desapareceu o de Fungalvaz e os de todas as outras confrarias de Torres Novas, algumas delas criadas logo a seguir, em 1212. É historicamente provável que as primeiras confrarias tenham surgido, evidentemente, em Entre Douro e Minho, ou mesmo Coimbra, mas repita-se, a documentação coeva do século XII é raríssima, mesmo no contexto do condado Portucalense e das primeiras décadas da monarquia portuguesa.
Resta dizer que autora, nessa viagem de parte do seu livro ao mundo das confrarias medievais do termo de Torres Novas se serve, e bem, da publicação editada pelo município de Torres Novas em 2001, “Confrarias Medievais da região de Torres Novas – os bens e os compromissos” de Margarida Trindade e Leonor Damas Lopes) e que a história das confrarias de Torres Novas (Alcorochel, Lavradores, entre outras) tem sido objecto de mais estudos e monografias que não surgem na bibliografia e que poderão interessar outros historiadores.
O encontro promovido pelas União das Mutualidades Portuguesas em Torres Novas, este fim-de-semana, foi o pretexto para o arrazoado desta agora fantástica capitalidade do mutualismo português na velha aldeia de Fungalvaz, de quem querem servir-se para enquadrar o foguetório que convém a uns e outros nestas tristes jornadas de tentativa de falsificação da história.
Têm-se sucedido, sem parança, escritos aqui e ali, agora repisados pelas chamadas redes sociais, onde se repetem intrujices sobre a história de Torres Novas que exercem o efeito nefasto de enganar os incautos e de deformar as cabecinhas, principalmente da gente mais nova, doutrinada com uma série patetices que alguns pensam tratar-se de História.
Os frades Bernardo de Brito e António Brandão iniciaram em 1597 uma monumental “Monarquia Lusitana”, onde inventaram uma infindável série de patranhas sobre a história de Portugal e por isso justamente ficaram conhecidos por “patranheiros”. Vivia-se numa certa depressão identitária da história pátria, em resultado da humilhação dos depois somados 60 anos da ocupação castelhana e, por isso, tratava-se de garantir, às coisas da pátria, uma antiguidade e uma legitimidade original que a pusessem a salvo da dissolução na história da península. Portugal tinha sido uma emanação divina. Os ilustres patranheiros dedicaram-se alegremente a inventar antiguidades para todas as terras e terreolas do país, escrevendo do seu próprio punho “lendas” que não passam de criações literárias e que não eram lendas nenhumas em sítio algum.
A esse caldo criativo se devem praticamente todas as grandes aldrabices que deram corpo à história ideológica que o Estado Novo promoveu, desde a padeira de Aljubarrota ao alcaide de Faria, como a afim “lenda de Gil Pais”, passando pelo milagre de Ourique, onde Nosso Senhor apareceu numa nuvem às cinco da tarde para inspirar o primeiro Afonso na decisiva batalha contra os infiéis, tal como apareceram dezenas de imagens enterradas e milagrosamente descobertas por todos os cantos do solo sagrado do país.
No que à sorte nos calhou deste maná, há quem continue a repetir histórias inventadas e escritas como se fossem “lendas”, nos séculos XVI/XVIII, e que já eram patéticas quando serviram de cuspo patriótico à história inventada do Estado Novo: não, nunca houve nenhuma “Neupergama” fenícia ou “Kaispergama” grega (“na lenda” inventada, só faltou dizer se foi de manhã ou depois de almoço que Ulisses e os seus companheiros “subiram o Tejo e meteram pelo Almonda e nele se divertiram em alegres pescarias”), ou grega e romana, ou cartaginesa, conforme as “lendas”, nunca houve nenhuma “Nova Augusta” romana, nem nenhuma “cividade de Beselga”, nunca houve “a cidade de Concórdia”. Nem a Senhora do Ó apareceu numa penha do castelo, ainda por cima já grávida, nem existiu qualquer “lenda do Senhor Jesus”, uma invenção literária grosseira do século XIX (falamos da “lenda”, a imagem pode ser seiscentista e o culto já estava enraizado nos finais do século XVIII), intrujice com requintes de erudição criada no contexto dos graves conflitos entre a Misericórdia e o padre de Santiago por causa dos altos rendimentos da capela do Senhor Jesus, em dinheiro e azeite.
A festança não dá sinais de trégua. Depois da rábula recente do “português mais antigo ser torrejano”, a respeito dos restos de um crâneo de Neandertal encontrado numa gruta junto à nascente do Almonda, que devia fazer corar de vergonha os arqueólogos, em vez de assistirem, embevecidos, à alarvidade política oportunista, e a respeito de um obscuro artigo de um autor francês, surgiu dos céus mais uma bem-aventurança para este sagrado rincão do abençoado reino socialista: o culto de Nossa Senhora do Ó teve início em Torres Novas. Só podia.
Ainda vamos em Março e outra aldrabice começa a tentar fazer caminho: “o berço do mutualismo é Fungalvaz”, onde foi instituída uma confraria em 1176. Desvirtuando grosseiramente o teor de um livro, “Origens do Mutualismo em Portugal”, de Joana Dias Pereira, em que a autora se limita a explicar, numa espécie de exegese histórica, que há princípios e determinadas práticas das antigas confrarias medievais com contornos semelhantes aos do moderno mutualismo, surgido no século XVIII, já se escreve por aí que “o mutualismo teve início no século XII”, e mais precisamente na confraria de Fungalvaz, de 1176. Por outro lado, ainda que isso pudesse ser um argumento, a autora em lado nenhum do seu livro diz, nem poderia dizer, que a confraria de Fungalvaz é a mais antiga de Portugal, porque não é (diz, concretamente, e só pode dizer isso, que o compromisso da confraria de Fungalvaz é “um dos mais antigos de que há conhecimento, datado do século XII”, p. 54). Falta explicar que é uma cópia do compromisso, datada do século XVI, porque praticamente todos os compromissos originais das confrarias dos séculos XII e XIII desaparecerem, como desapareceu o de Fungalvaz e os de todas as outras confrarias de Torres Novas, algumas delas criadas logo a seguir, em 1212. É historicamente provável que as primeiras confrarias tenham surgido, evidentemente, em Entre Douro e Minho, ou mesmo Coimbra, mas repita-se, a documentação coeva do século XII é raríssima, mesmo no contexto do condado Portucalense e das primeiras décadas da monarquia portuguesa.
Resta dizer que autora, nessa viagem de parte do seu livro ao mundo das confrarias medievais do termo de Torres Novas se serve, e bem, da publicação editada pelo município de Torres Novas em 2001, “Confrarias Medievais da região de Torres Novas – os bens e os compromissos” de Margarida Trindade e Leonor Damas Lopes) e que a história das confrarias de Torres Novas (Alcorochel, Lavradores, entre outras) tem sido objecto de mais estudos e monografias que não surgem na bibliografia e que poderão interessar outros historiadores.
O encontro promovido pelas União das Mutualidades Portuguesas em Torres Novas, este fim-de-semana, foi o pretexto para o arrazoado desta agora fantástica capitalidade do mutualismo português na velha aldeia de Fungalvaz, de quem querem servir-se para enquadrar o foguetório que convém a uns e outros nestas tristes jornadas de tentativa de falsificação da história.
A requalificação do Jardim da Praça do Império, de Lisboa, e, especificamente, os brasões das províncias ultramarinas em pedra abrem nova frente de conflito entre direita e esquerda. Não é indiferente dizer província ultramarina ou colónia.
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A mãe entra na cozinha e nota imediatamente o assalto perpetrado ao bolo de chocolate saído do forno uns minutos antes, do qual resta apenas metade. Procura a única outra pessoa presente em casa nessa altura, o filhote de 5 anos, encontra-o no seu quarto a brincar e, com ar severo, pergunta-lhe quem comeu a metade que falta no bolo.
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A grande manifestação dos professores, em 11 de Fevereiro, na cidade de Lisboa, veio demonstrar que a degradação da sua situação profissional criou uma unidade de protesto com reinvindicações unânimes e a consciência da conquista da rua como o local que fustiga com virulência a surdez autista da governança.
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Quem ocupa lugares de poder nas instituições ou serviços públicos sabe, ou deveria saber, que está sujeito ao escrutínio público e ao escrutínio dos órgãos fiscalizadores existentes, entre estes, aqueles que foram eleitos para esse efeito.
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