30 anos: o JT e a política - joão carlos lopes
Dir-se-ia que três décadas passaram num ápice. No entanto, foram cerca de 11 mil dias iguais a outros 11 mil dias dos que passaram e dos que hão-de vir. Temos, felizmente, uma concepção e uma percepção emocional da história, como se o corpo vivo da sociedade tivesse os mesmos humores da biologia humana. Os tempos são lentos ou rápidos, densos, esquizofrénicos, loucos, esperançosos, deprimentes. Sempre foi assim. Escapando-nos por entre os dedos, a interpretação da história tem de ser assim amarrada às nossas categorias de ver a realidade tal como a vivemos no presente.
Depois há os sacerdotes da interpretação do passado, os historiadores, que passados muitos anos, com o requerido afastamento temporal dos factos, lhe procuram dar um encadeamento lógico de causas, consequências, contextos, quando os factos já estão mortos e os seus protagonistas mais mortos estão. A história faz-se quando já ninguém pode responder pelo que se passou. É uma necrofagia, alimentando-se de cadáveres – os documentos, vestígios e testemunhos que apenas são fatias isoladas e retiradas do seu contexto concreto e vivido, vislumbres de um tempo que passou e não se pode reconstruir. A história e todos os discursos sobre o passado, quanto mais remoto pior, são formidáveis ficções sobre o modo de como gostaríamos que o passado tivesse acontecido, são os nossos modelos de pensamento e da visão do mundo aplicados a tempos dos quais não temos a mínima ideia de como se sucederam. Dito isto, e relativizando tudo o que importará sempre relativizar, adiante.
Há 30 anos, o mundo limpava os beiços da queda do império soviético e da reunificação da Alemanha. A Europa apressava-se. Esconjurado o diabo que até aí tinha impedido a felicidade humana, derrubado o muro, prometia-se agora, à Europa e ao mundo, o leite e o mel da democracia liberal, que ia dar aos povos 50 vezes o progresso e o desenvolvimento que o “comunismo” tinha prometido e falhado. A própria história tinha os dias contados. O capitalismo triunfante, sem alternativa histórica, superava-se e superava tudo o que a humanidade tinha construído desde o neolítico. Azar: o socialismo e a social-democracia europeias, detentores de um valioso património político de progresso social, iriam sucumbir ao canto de sereia do neoliberalismo, que, mais tarde, os trucidaria sem dó nem piedade.
Por aqui, mais perto, falamos ainda de 94, estava a acabar a década do cavaquismo, a primeira grande vaga de milhões por dia, a torneira escancarada, o tempo dos jeeps, dos cursos de formação fictícios, dos projectos fantasmas. Vinham aí os computadores, a bolha da venda de automóveis, as auto-estradas, a bolha imobiliária, a EXPO, aproximavam-se o euro e o novo milénio, ia-se o escudo. Chegara entretanto Guterres, a grande oportunidade histórica socialista de transformar o país, logo afogado em pântanos e limianos, para entrarem em palco Santana, o breve, depois o fugitivo Durão, a seguir Sócrates, o pinóquio, em derrapagens sucessivas até Passos, o exterminador dos mundos, antes do lento e oriental Costa, que desperdiçou a segunda oportunidade histórica de os socialistas desenharem uma visão de país.
1994, ainda. Após 14 anos de gestão social-democrata da Câmara de Torres Novas, bafejado com os ventos da história – a vaga guterrista, o dinheiro à vara larga - o PS ganha acidentalmente a autarquia por escassas dezenas de votos à conta da desistência, à boca das urnas, da UDP. António Rodrigues iniciava um ciclo de mais de 30 anos que está agora a acabar: o socialismo “ferreirista” é obra do socialismo “rodriguista”, é a sua sequência, é a mesma cultura política, embora travestida de boa cara, bonomia e social-porreirismo. De resto, António Rodrigues e Pedro Ferreira estiveram muito mais tempo juntos do que afastados.
O antigo presidente do Desportivo dos últimos tempos gloriosos dos amarelos, que aliás o ajudaram a catapultar para os altos vôos da política, podia ter juntado à assinalável obra que deixou, ímpar e irrepetível na sua formidável dimensão, temos de admiti-lo, uma sociedade torrejana mais empenhada civicamente, uma massa crítica indispensável ao debate das coisas da cidade e do concelho, uma opinião pública actuante e presente. Teve amplo capital político para lograr esse objectivo, mas desperdiçou-o inutilmente. Pelo contrário, a deriva autoritária socialista (uma certa ecologia política que ultrapassou o seu próprio criador) no início do milénio, teve nele o seu intérprete, com o autismo político, o distanciamento e o efeito eucalipto do PS a devastarem tudo à volta, deixando Torres Novas sem energias e o próprio regime exausto ao fim de 20 anos. Os torrejanos viraram-se para dentro, muitos esconderam-se, desistiram. Mas, azar do Távoras, e pelo meio das minudências daquele tempo, a promessa do regime, mil vezes repetida, de acabar a todo o custo com o JORNAL TORREJANO, “o pasquim comunista”, foi mais uma comédia que acabou em tragédia. Acabou tudo, acabou muita coisa e muita coisa se foi, menos o JORNAL TORREJANO.
O ferreirismo político (não estritamente pessoal e que acabaria por paralisar o próprio Pedro Ferreira), e que não passa, pois, de um rodriguismo inicialmente temporário (a promessa de um só mandato para que Rodrigues voltasse não foi cumprida nem nunca publicamente desmentida) não foi mais que o prolongar desse estado de esforço político que já vinha de longos 20 anos que levaram ao esgotamento, também político, de uma fórmula que até teve algo de esperançoso no seu........
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