O apagão regulatório

O apagão de 28 de Abril foi o de mais longa duração registado em Portugal, causando na península ibérica seis mortos confirmados (um em Portugal), mais centena e meia estimados pelo Instituto de Saúde Carlos III num estudo sobre taxas de mortalidade em Espanha, excluindo Portugal. Economica­mente, associações empresariais avaliaram em milhares de milhões de euros os prejuízos so­fridos na Penín­sula (mais de mil milhões em Portugal).

A 3 de Outubro foi publicado o primeiro relatório do painel de 40 peritos da ENTSO-E, a Rede Europeia dos Operadores de Sistemas de Transporte de Eletricidade, que, em 264 páginas, fez uma compilação detalhada de factos que acompanharam os eventos, embora esquivando-se a apontar relações de causa e efeito. Escrito numa linguagem técnica só acessível a especialistas, sobre ele a Comuni­cação social limitou-se a publicar algumas opiniões avulsas.

No seguimento resumirei parte do relatório, contextualizando-o com informação adicional e a experiência de décadas de ensino universitário e de análise de redes reais.

O primeiro evento importante da sequência que levou ao apagão foi o disparo de um grande transformador da Rede espanhola de Muito Alta Tensão (REE) em Granada, Andaluzia. Este disparo foi da responsabilidade da empresa proprietária, às 12h 32’ e 57,15’’, com o sol a pique. Terá sido a proteção contra sobretensões, no ponto a 220 kV onde era entregue a energia ao transformador, que atuou por alegadamente ter sido ultrapassada 110% da tensão normal, limiar para o qual estava parametrizada que agisse instantaneamente. À falta de comprovativo desta alegação, o relatório analisou outros registos de dispositivos próximos e, embora reconheça que a tensão estava alta no momento do disparo, desmente que o limiar alegado tivesse sido atingido, o qual de qualquer modo é inferior ao limite de 115% que os grandes produtores ligados a 220 kV devem suportar. Certo é que, com esse disparo, foram desligados 355 MW de produção fotovoltaica (adiante referida apenas por PV), solar térmica e eólica, que se somaram a 208 MW de eólicas e PV desligadas sem explicação a norte e a sul 4’’ antes, e a um aumento de carga de 317 MW no minuto anterior, também sem registo de causa mas compatível com a desligação súbita de PV na Baixa Tensão (montada em telhados), totalizando 880 MW.

Se a saída de tanta geração, em menos de um minuto, já desequilibrara gravemente a produção e o consumo de energia da rede ibérica, o que sucedeu 19’’ depois do evento anterior foi uma avalanche de disparos que, em menos de 3’’, retirou da produção mais 2.506 MW de produção renovável, principalmente PV (2.081,5 MW). O primeiro disparo foi de uma linha em Badajoz que escoava 528 MW de geração PV, imediatamente seguida de outros disparos entre Badajoz e Cáceres, todos sem registos que os expliquem, tal como aos subsequentes ocorridos em Huelva, Sevilha e Segóvia, adicionando 930 MW à geração desligada.........

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