Como escrevi em artigos anteriores, que podem ser consultados aqui e aqui, o Governo (através do seu Primeiro-Ministro) assinou no dia 07/12/2023 o Compromisso para o Sector Social, no qual se compromete a aumentar os preços dos cuidados continuados em 7,8% para o ano de 2023 e 4,3% para o ano de 2024. Em 2023 não existiu aumento nenhum e em 2024 houve aumento de 4%. Fui o único a reclamar publicamente. As entidades que assinaram o acordo, nomeadamente a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a União das Misericórdias Portuguesas (UMP), nada declararam sobre este incumprimento do Governo. Talvez porque estamos em campanha eleitoral e as minhas reclamações tiveram eco nos media, o Governo lá aumentou os preços de 2023 em 2,4%. Citei, no artigo de opinião, uma mensagem do Presidente da UMP em que louva o Ministro da Saúde e a preocupação que tem com o sector dos cuidados continuados, porque deu um aumento de 2,4% e que demonstra, por parte da UMP, que vale a pena ser resiliente. Bem, esta declaração é uma demonstração do falhanço do Presidente da UMP e de como está ao serviço do Governo, em vez de estar ao serviço das Misericórdias (o suposto, digo eu). Imagine o leitor que era representante de um sindicato e que acabara de assinar um acordo com a administração da empresa para aumentar salários aos trabalhadores em 10%. Depois a empresa aumenta salários (tardiamente e após imensa pressão pública, caso contrário não o faria) em apenas 3% e o representante do sindicato, que assinou o acordo, diz que a empresa é fantástica e está muito preocupada com a valorização dos salários dos trabalhadores (com um aumento inferior a 1/3 do que foi assinado)?! Pois…

Entretanto, como gosto de honrar a palavra dada e aquilo que assino, naturalmente insurgi-me contra esta situação vergonhosa. Preocupo-me com o Serviço Nacional de Saúde em geral e em particular com os Cuidados Continuados, bem como com o sector social, porque para além de uma preocupação genuína, é esse o meu dever enquanto Presidente da ANCC.

Aquando da constituição da ANCC, fui o promotor de uma reunião nacional com dezenas de Unidades de Cuidados Continuados (independentemente da constituição jurídica) para discutir os problemas do sector, nomeadamente o subfinanciamento. Desta reunião resultou a criação da ANCC, a muito custo pois existiu imensa pressão (sobretudo por parte da UMP com ameaças de retaliações junto das misericórdias que se fizessem nossas associadas), entre outras situações e tentativas de destabilização para que a ANCC não fosse criada. Recentemente, e por causa de mais este incumprimento do Governo, convidámos as entidades que têm Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) para se juntarem a nós numa reunião a ocorrer na Batalha no dia 21 de Março. Eis que o Dr. Manuel Lemos, Presidente da UMP, envia a seguinte mensagem às Misericórdias: “… A associação privada da RNCCI está a convocar para uma reunião na Batalha no próximo dia 21 de Março O presidente desta Associação o Sr Bourdain está mancomunado com a Lista opositora da UMP que não quer perceber q as eleições acabaram e que as Mis só ganham em estar juntas e n se misturarem com o setor privado. Sugiro assim q contactem as Mis q têm unidades de cudados continuados para n irem a essa reunião”. Penso que o Dr. Lemos (também por outras declarações anteriores) parte do princípio de que uma associação privada é equiparada, quem sabe, a uma associação criminosa ou talvez que sejamos todos portadores do vírus Ébola. Não que eu tenha de me justificar, mas para que fique do conhecimento público, somos uma associação sem fins lucrativos tal como a UMP, mas com a enorme diferença de que somos democratas, pobres, não auferimos salário nem temos qualquer carro de serviço, muito menos a custar o mesmo que um apartamento, ao contrário da UMP que é rica; quando grande parte das Misericórdias (e também muitas das nossas associadas) lutam com dificuldades financeiras, sendo que algumas até têm salários em atraso. A grande diferença é que a UMP representa misericórdias e nós representamos qualquer entidade jurídica, seja ela com ou sem fins lucrativos, desde que tenham UCCI. No meu caso, sou Presidente de uma cooperativa sem fins lucrativos.

Ao contrário do Dr. Lemos, eu estou ao serviço do País e comprometido em prestar um serviço público – que é a minha missão, depois disso cabe-me representar a ANCC e os seus associados e não estou ao serviço do Governo nem de ninguém. Considero-me livre e não incuto qualquer pressão junto dos nossos associados em relação a qualquer situação. Há quem diga que isso é ser democrata.

Para terminar, gostava de afirmar, tal como referi, que sou dirigente de uma cooperativa. A cooperativa, por sua vez, está associada numa federação de cooperativas, cuja administração tem dirigentes de cooperativas, que por sua vez é associada de uma confederação de cooperativas, cuja administração tem dirigentes de cooperativas, ao contrário das União das Misericórdias e, já agora, também da CNIS; mas isso é problema deles e não tenho de me imiscuir, da mesma maneira que agradeço que o Dr. Lemos não interfira no nosso trabalho nem o tente boicotar, bem como não me use como bode expiatório dos seus graves falhanços no cumprimento das obrigações contratualizadas com o Governo (como tem feito ao longo dos últimos anos).

Nada tenho de pessoal contra o senhor, nem o conheço (nem tenho interesse nisso), mas quando, por culpa dele, prejudica todo um sector e em particular aqueles que represento, naturalmente tenho de lutar contra isso. E um outro bom exemplo do quanto prejudica o sector, foi nos dois anos de Pandemia, com os custos a dispararem e o salário mínimo a continuar a subir; em que o Governo nos perseguiu e discriminou (não nos deu sequer uma máscara, nem 1 cêntimo de reforço orçamental). O Dr. Lemos interveio várias vezes no espaço público, sobretudo nas televisões, e nunca disse uma palavra sobre isto. Inqualificável.

E sim, é verdade que estou mancomunado com várias misericórdias, bem como outras entidades que defendem o mesmo que nós, isso é saudável. Já estar mancomunado com o Governo para prejudicar aqueles que supostamente deveria representar e que lhe pagam o salário, e que ao contrário dele têm salários baixos e não são valorizados por culpa dos seus actos, é que me parece incorrecto. Mas isso é algo para as misericórdias avaliarem e resolverem, não me diz respeito.

Presidente da ANCC

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Os serviçais da Política no Sector Social e nos Cuidados Continuados

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07.03.2024

Como escrevi em artigos anteriores, que podem ser consultados aqui e aqui, o Governo (através do seu Primeiro-Ministro) assinou no dia 07/12/2023 o Compromisso para o Sector Social, no qual se compromete a aumentar os preços dos cuidados continuados em 7,8% para o ano de 2023 e 4,3% para o ano de 2024. Em 2023 não existiu aumento nenhum e em 2024 houve aumento de 4%. Fui o único a reclamar publicamente. As entidades que assinaram o acordo, nomeadamente a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a União das Misericórdias Portuguesas (UMP), nada declararam sobre este incumprimento do Governo. Talvez porque estamos em campanha eleitoral e as minhas reclamações tiveram eco nos media, o Governo lá aumentou os preços de 2023 em 2,4%. Citei, no artigo de opinião, uma mensagem do Presidente da UMP em que louva o Ministro da Saúde e a preocupação que tem com o sector dos cuidados continuados, porque deu um aumento de 2,4% e que demonstra, por parte da UMP, que vale a pena ser resiliente. Bem, esta declaração é uma demonstração do falhanço do Presidente da UMP e de como está ao serviço do Governo, em vez de estar ao serviço das Misericórdias (o suposto, digo eu). Imagine o leitor que era representante de um sindicato e que acabara de assinar um acordo com a administração da empresa para aumentar salários aos trabalhadores em 10%. Depois a empresa aumenta salários (tardiamente e após imensa pressão pública, caso contrário não o faria) em apenas 3% e o representante do sindicato, que assinou o acordo, diz que a empresa é fantástica e está muito preocupada com a........

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