Dia de Reis sem rei nem roque na democracia global.

No início de 2025, a democracia global parece celebrar um Dia de Reis às avessas. Em vez de presentes, recebemos crises políticas e desafios à estabilidade governativa em várias geografias. Não é só em Portugal que assistimos a esta erosão de credibilidade democrática: do continente africano, em Moçambique, à Coreia do Sul, na Ásia, ou ao Canadá, na América do Norte, o panorama é desolador e global.

No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou a sua demissão, encerrando quase uma década no poder. Este desfecho que se tornou inevitável nestes últimos dias não reflete apenas as crises internas que marcaram os últimos meses do seu governo — como a saída de Chrystia Freeland e o aumento da pressão da oposição partidária —, mas também demonstra uma mudança nos ventos políticos globais. Trudeau, que simbolizava uma política progressista, jovem, aberta à imigração e focada na diversidade social, viu-se cada vez mais desfasado num mundo onde o populismo e o ceticismo em relação às elites têm vindo a crescer. A sua saída assinala não apenas o fim de um ciclo político no Canadá, mas também o enfraquecimento desta época das democracias liberais que se confrontam, hoje, com a tarefa ingrata de equilibrar valores progressistas com um crescente descontentamento popular.

Na Coreia do Sul, os ecos de autoritarismo pairam sobre uma democracia que já enfrentou tempos difíceis. Os debates recentes sobre a possibilidade de implementar a lei marcial para conter protestos populares reacenderam velhos fantasmas asiáticos do passado. Esta solução extrema, além de inadmissível na democracia deste nosso tempo, expôs a distância crescente entre as instituições políticas e os cidadãos, numa sociedade onde a confiança nas lideranças parece cada vez mais frágil. A Coreia do Sul, uma potência económica global, enfrenta uma crise política que demonstra que estabilidade económica não é sinónimo de maturidade democrática.

No continente africano, Moçambique vive um cenário ainda mais sombrio. Após as eleições gerais de 2024, as acusações de fraude eleitoral mergulharam o país numa crise profunda. As manifestações populares têm sido violentamente reprimidas, resultando em dezenas de mortos e milhares de deslocados. A oposição, liderada por Venâncio Mondlane, recusa reconhecer os resultados e exige uma recontagem independente. Enquanto isso, a ONU limita-se às frases feitas que circulam à volta de “manifestar preocupação”, uma frase que já se tornou ritualística em momentos como este. O continente africano, já marcado por fragilidades democráticas, vê Moçambique como mais um caso onde a democracia parece uma promessa nunca cumprida.

E em Portugal, apesar da ausência de repressão violenta ou cenários de lei marcial, o panorama não deixa de ser peculiar. Há demasiada crispação e excesso de vozes “sempre do contra”. Na segurança, se há demonstração de controlo e trabalho policial aparece sempre que diga que é um abuso de utilização de força porque somos um país seguro; se surge um caso de crime comprovado também aparecem os mesmos de sempre a dizer que não somos um país seguro e é preciso mais força policial. Em que ficamos? A um ano de eleições autárquicas e a pouco tempo também de eleições presidenciais a fragilidade da imagem de credibilidade político partidária é assustadora.

O líder do partido Chega, André Ventura, voltará a ser candidato, desta vez à Presidência da República. A sua omnipresença nas urnas — deputado, autarca, primeiro-ministro imaginário e agora aspirante a Belém — é um reflexo de uma........

© Jornal i