Está na lei: um cidadão detido durante uma operação policial tem de ser levado a um juiz no prazo de 48 horas. O objetivo é claro: ninguém pode ser privado da liberdade por decisão administrativa. O cidadão tem de ser ouvido pelo juiz e é este quem tem de decidir, depois de confrontado com os indícios ou as provas que lhe apresentam os polícias e os procuradores, se há razões para aplicar a prisão preventiva. Mas, se isto é o que está na lei, também há os alçapões da lei. Como só está escrito que o detido tem de ser presente ao juiz, mas não que o juiz tem de o interrogar de imediato, a detenção prolonga-se pelo tempo que for preciso. Basta invocar a complexidade e polícias, procuradores e juízes têm carta-branca para manter o cidadão num limbo legal, atropelando os seus direitos. No caso dos três arguidos do processo da Madeira, foi assim durante 21 dias. Já seria grave, mas torna-se assustador quando se sabe que foram para casa sem qualquer indício de crime: nem corrupção, nem fraude fiscal, nem tráfico de influência, nem coisa nenhuma. Há estados de direito e há repúblicas das bananas. Risque o leitor qual das duas afirmações acha que está errada.

A interferência judicial no processo político transformou-se, em poucos meses, num tema central. Como já escrevi antes, não se trata de um juízo de valor, nem de insinuar conspirações, é apenas a constatação de um facto. Primeiro, caiu um primeiro-ministro a meio do mandato, num processo que levou a eleições antecipadas. Depois, caiu o presidente da Madeira, eleito há escassos cinco meses. Em ambos os casos havia suspeitas de crimes gravíssimos. Em ambos se manteve os suspeitos abusivamente na prisão sem culpa formada. Em ambos foram postos em liberdade pelos juízes. Em vários casos (que não todos) sem qualquer indício de crimes. O dano à democracia é evidente. Não há dúvidas sobre a necessidade de garantir a independência da Justiça. E que seja capaz de obrigar os poderosos a prestarem contas. Sem essa garantia, não há Estado de direito. Mas, se os polícias, os procuradores e os juízes não forem chamados a prestar contas, também não há. Só sobra a República das Bananas.

QOSHE - República das Bananas? - Rafael Barbosa
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República das Bananas?

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15.02.2024

Está na lei: um cidadão detido durante uma operação policial tem de ser levado a um juiz no prazo de 48 horas. O objetivo é claro: ninguém pode ser privado da liberdade por decisão administrativa. O cidadão tem de ser ouvido pelo juiz e é este quem tem de decidir, depois de confrontado com os indícios ou as provas que lhe apresentam os polícias e os procuradores, se há razões para aplicar a prisão preventiva. Mas, se isto é o que está na lei, também há os alçapões da lei. Como só está escrito que o detido tem de ser presente ao........

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