O curioso caso da talentosa Sahra Wagenknecht

A notícia das regionais foi a primeira vitória da extrema-direita num land alemão, com o segundo lugar noutro. Não é coisa pouca e é natural que tenha ofuscado o resultado da Aliança Sahra Wagenknecht - Razão e Justiça (BSW), nascido apenas em janeiro, sobretudo com quadros vindos do Partido da Esquerda (Die Linke).

Na Turíngia, a região mais pobre da Alemanha, a BSW teve 15,8%, ultrapassando o Die Linke, que, apesar de liderar o governo minoritário, se ficou pelos 13% (tinha 31%). O resultado dos três partidos do governo federal (SPD, FDP e Verdes) foi de tal forma trágico que só o SPD conseguiu ultrapassar os 5% que permitem ter representação parlamentar, e apenas por um ponto percentual. Na Saxónia, onde a Alternativa para a Alemanha (AfD) só perdeu para a CDU por 1,3 pontos percentuais, a BSW teve 11,8%, sendo, nas duas lander, o partido que mais ganhou com o desgaste dos outros – mais do que a AfD.

Os resultados da AfD foram impressionantes, mas a grande alteração foi mesmo a entrada estrondosa deste partido na cena política. As sondagens dão-lhe 9% nas próximas eleições federais (o máximo que o Die Linke alguma vez teve foi 7,5%, em 2009). Já em junho, quando a BSW teve 6,2% para as eleições europeias, se tinha percebido o que aí vinha. E parece ser só o começo. Tudo indica que ocupará o lugar do Die Linke, de onde vêm os seus principais quadros, e um pouco mais. Mas é muito mais do que uma substituição.

Sahra Wagenknecht, que dá o nome à força política, tem 55 anos, nasceu na RDA e é filha de um iraniano e de uma alemã. Foi membro da juventude do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) e entrou para o partido do regime em 1989, já no ocaso da RDA. Depois da queda do muro, foi eleita para o Comité Nacional do PDS, sucessor da SED, participando na sua fação marxista-leninista. Foi eurodeputada em 2004 e, depois da fusão do PDS com o WASG (uma sisão do SPD, na Alemanha Ocidental, contra a deriva neoliberal de Gerard Schroeder), esteve na fundação o Die Linke, onde não teve, inicialmente, grande sucesso.

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Wagenknecht chegou a sonhar com a vice-presidência, mas o seu declarado saudosismo da RDA não lhe deu espaço para tanto. Chega ao parlamento e torna-se porta-voz para a política económica em 2009. Um ano depois conquista finalmente a vice-presidência e, em 2015, já é líder parlamentar. Entretanto, esteve casada com Oskar Lafontaine, o histórico social-democrata que fez nascer, na Alemanha Ocidental, o WASG, à esquerda do SPD e dos Verdes.

Sahra Wagenknecht é muito inteligente, muito culta, muito eficaz, muito boa comunicadora, muito conflituosa em todos as organizações onde esteve, muito autossuficiente e até muito rica, graças ao dinheiro que faz com os seus livros e palestras. O facto de ter criado uma força política com o seu próprio nome é capaz de ser suficiente para a apresentar, aliás. O facto de conseguir estes resultados, também. Fora isto, é um OVNI político.

Sahra Wagenknecht é inteligente, culta, eficaz, boa comunicadora, conflituosa, autossuficiente e rica. Ter criado uma força política com o seu próprio nome apresenta-a. Ter conseguido estes resultados também. É um OVNI político.

É impossível perceber este partido sem perceber a Alemanha de Leste, a herança comunista e as fragilidades económica, sociais e políticas da reunificação, pouco analisado numa Europa sempre contente consigo mesma. Seja como for, um dos seus principais sucessos foi a capacidade de capitalizar o sentimento antiamericano que sobrevive em parte da população do leste alemão. E que o apoio da Alemanha à Ucrânia permitiu ativar.

O seu partido exige, como condição para qualquer coligação, a oposição à instalação mísseis de médio alcance norte-americanos na Alemanha. Apesar de não defender expressamente a saída da NATO, opõe-se a alianças militares lideradas pelos EUA. Assim como uma autonomia económica face aos dois novos blocos – EUA e China. Nisto, não se distingue, na realidade, das posições da sua esquerda. Mas há quem a acuse de ser próxima de Putin porque, apesar de condenar a invasão, responsabiliza a expansão de influência da NATO por esta guerra e opõe-se ao envio de armas para a Ucrânia. As suas posições sobre a invasão da Ucrânia têm sido,........

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