A proposta de aumentar até 25 euros por ano o IUC sobre os carros anteriores a 2007, que não sei quantos carros vai abranger nem que receita pública vai gerar, é uma medida injusta e insensata e, como tal deve ser combatida.

Até aqui, eram os carros mais novos que pagavam as taxas mais elevadas, na base da ideia de que quem tem dinheiro para comprar carros novos tem mais dinheiro para suportar impostos mais elevados. Agora, em nome da descarbonização, inverte-se a lógica, e passam a ser os proprietários dos carros mais velhos, que em princípio não trocaram de carro por não ter meios para isso, que suportam o aumento. É como quem diz: os pobres que paguem a descarbonização.

Não faço ideia se o PS vai levar a proposta até ao fim ou se o Governo, durante o debate na especialidade, dá ordem para varrer a proposta para debaixo do tapete, mas sei que com essa proposta insensata, e na verdade injusta, o PS deu aos partidos da direita (PSD, IL e CH) um brinde que lhes fazia falta para criticar a proposta de Orçamento, deixando de lado o que na verdade caracteriza essa proposta e centrando a crítica no aumento do IUC, o que lhes permite, ao mesmo tempo que apoiam tudo o que na proposta favorece os grandes interesses económicos, fingir que estão muito preocupados com os mais desfavorecidos.

O que caracteriza fundamentalmente a proposta de Orçamento do Estado que está em discussão na Assembleia da República é a submissão à lógica das chamadas “contas certas”, isto é, o sacrifício do investimento público, dos salários e progressão nas carreiras e dos serviços públicos para reduzir a dívida pública e obter um excedente orçamental, ou seja, fazer má figura em Portugal perante os portugueses e comprometendo as possibilidades de desenvolvimento económico e social do país, para fazer boa figura em Bruxelas perante os eurocratas nomeados pelo poder económico para fazer prevalecer os seus interesses à custa dos direitos e interesses legítimos dos povos europeus.

Nada de muito diferente afinal do que diziam e faziam Passos Coelho, Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. Também para eles, as “contas certas” eram sagradas, custasse o que custasse. Quando em 2015 o PS, sem maioria absoluta, se viu obrigado a aceitar a reposição de direitos e rendimentos aos trabalhadores e pensionistas, o discurso da direita era o de que essa política abriria as portas à vinda do diabo. Ficou demonstrado que não era assim, mas não deixa de ser significativo que seja o PS, agora com maioria absoluta e, para usar a sua própria terminologia, sem empecilhos, a apresentar a sua política como inevitável, sob pena de vir aí o diabo vestido de Lagarde ou de Von-der-Leyen.

O que caracteriza este Orçamento é a falta de resposta à situação gravíssima em que se encontram os serviços públicos essenciais. Perante as justas reivindicações dos profissionais dos serviços públicos quanto à valorização dos seus salários, das suas carreiras e dos seus estatutos, o Governo nada mais faz do que arrastar negociações sem fim à vista, ou nem isso. É assim com os profissionais de saúde, é assim com os professores e demais funcionários das escolas, é assim com os funcionários judiciais, é assim com o pessoal dos registos e notariado, é assim com os profissionais das forças e serviços de segurança, é assim com os militares, é assim com quaisquer carreiras da Administração Pública.

Faltam profissionais para garantir serviços públicos essenciais e não há resposta às reivindicações justas dos profissionais existentes.

O que caracteriza este Orçamento é a falta de resposta à grave crise da habitação. Nenhuma medida destinada a travar os aumentos das rendas de casa, nenhuma medida para limitar os lucros da banca e aliviar os sacrifícios que impendem sobre milhares de famílias fustigadas pelo aumento das taxas de juro, nenhuma medida de promoção da habitação pública.

O que caracteriza este Orçamento é a injustiça fiscal. Não se trata, como reivindica a direita, de fazer baixar a “carga fiscal” sobre os mais ricos. Trata-se de adotar medidas que aliviem os impostos sobre os titulares de baixos rendimentos em sede de IRS e de baixar o IVA sobre bens essenciais como a eletricidade, o gás ou as telecomunicações. Em vez disso, as grandes empresas continuam a ser bafejadas com todo o tipo de isenções fiscais e até mesmo os lucros extraordinários resultantes de atitudes especulativas, como as da banca, das empresas do setor da energia ou da grande distribuição, deixam de ser tributados enquanto tal.

O que carateriza este Orçamento é a insistência numa política de baixos salários e de baixas pensões. Os trabalhadores e pensionistas não vão recuperar o poder de compra perdido com a inflação com que têm sido confrontados.

Bem pode vir o PS com as virtudes de umas supostas “contas certas” para justificar um orçamento que não dá resposta aos problemas do país. Bem pode vir a direita com o discurso do IUC para esconder a sua falta de discurso quanto às opções essenciais deste Orçamento. Em 2015 ficou demonstrado que a austeridade não só não era inevitável como não era solução. Agora, em 2023, é pela mão do Governo PS que a maioria dos portugueses vai continuar a empobrecer para que uma minoria possa continuar a enriquecer à sua custa.

Claro que a direita culpa “a esquerda”, como se este Orçamento fosse de esquerda.

QOSHE - O Orçamento não é só o IUC - António Filipe
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O Orçamento não é só o IUC

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06.11.2023

A proposta de aumentar até 25 euros por ano o IUC sobre os carros anteriores a 2007, que não sei quantos carros vai abranger nem que receita pública vai gerar, é uma medida injusta e insensata e, como tal deve ser combatida.

Até aqui, eram os carros mais novos que pagavam as taxas mais elevadas, na base da ideia de que quem tem dinheiro para comprar carros novos tem mais dinheiro para suportar impostos mais elevados. Agora, em nome da descarbonização, inverte-se a lógica, e passam a ser os proprietários dos carros mais velhos, que em princípio não trocaram de carro por não ter meios para isso, que suportam o aumento. É como quem diz: os pobres que paguem a descarbonização.

Não faço ideia se o PS vai levar a proposta até ao fim ou se o Governo, durante o debate na especialidade, dá ordem para varrer a proposta para debaixo do tapete, mas sei que com essa proposta insensata, e na verdade injusta, o PS deu aos partidos da direita (PSD, IL e CH) um brinde que lhes fazia falta para criticar a proposta de Orçamento, deixando de lado o que na verdade caracteriza essa proposta e centrando a crítica no aumento do IUC, o que lhes permite, ao mesmo tempo que apoiam tudo o que na proposta favorece os grandes interesses económicos, fingir que estão muito preocupados com os mais desfavorecidos.

O que caracteriza fundamentalmente a proposta de........

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