Lula no percebeu, ou no aceitou, a nova correlao de foras na sociedade e no sistema poltico (foto: Evaristo S/AFP - 30/5/23)
A Amrica Latina foi sempre um continente extravagante. Por aqui acontecem coisas inusitadas que no ocorrem em nenhum outro lugar do mundo. Afora o fracasso generalizado de todos os nossos pases em construir economias saudveis e prsperas, apesar da abundncia de recursos, temos sido prdigos em experimentos polticos equivocados e desastrados.
Comparando a histria poltica de nosso infeliz continente nos ltimos 80 anos com a histria dos pases ocidentais mais bem sucedidos, no possvel fechar os olhos para as diferenas. Enquanto por l surgiram homens como Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Adenauer, Mitterrand, Kohl, Kennedy, por aqui a galeria quase sempre sombria: Getlio, Peron, Fidel Castro, Pinochet, autocratas impiedosos e obscurantistas que envenenaram nossa cultura poltica e deixaram marcas profundas em nossas instituies, pois seus fantasmas ainda vagam impunes entre ns.
Tivemos claro nossos interldios democrticos, os quais introduziram na vida do pas elementos civilizatrios. Agora parece que, pelo menos aqui no Brasil, estamos imunizados contra as tentaes autoritrias, embora nossas instituies paream ainda funcionar de um modo desajeitado, resultado de uma cultura poltica que contm muitos traos de uma lgica autocrtica.
Neste momento vivemos no pior dos mundos. Nossas instituies esto funcionando no limite da desordem e como resultado o Estado est caminhando para uma espcie de paralizao. Os Poderes esto se movendo em desarmonia, cada qual numa esfera prpria, sem qualquer sinergia. Tanto nossa sociedade como nossa economia no esto acostumadas a funcionar sem o Estado. Isto provem de uma forte herana cultural, pois no Brasil o Estado anterior sociedade e sempre vivemos sob o manto de uma autoridade centralizada. Quando o Estado se ausenta ou deixa de ter uma liderana ativa e clara, sociedade e economia entram num certo modo de dormncia. onde estamos neste momento. Ningum sabe onde est o Estado: no governo, na Cmara, no Senado, ou no Supremo?
O Parlamento invadiu reas que so prprias do governo e mantem uma agenda paralela, construda no improviso. O Judicirio invade sistematicamente as competncias do Legislativo e se arroga uma autoridade normativa que no tem e incompatvel com o regime democrtico, onde s a vontade da populao tem o poder de fazer as leis. Inventamos um regime tricameral. Diante desta realidade o governo parece ter desistido de uma agenda transformadora e reduz a Presidncia da Repblica mera gesto de poder poltico, indiferente s questes estruturais de longo prazo e s mudanas institucionais. Estamos em um universo em desordem.
Este um estado de coisas que no pode perdurar por muito tempo. Um pas ferido como o nosso, que est se atrasando em relao ao resto do mundo e cuja populao est cada vez mais pobre e sem expectativas, no pode viver de crise em crise. Estamos nos encaminhando perigosamente para um beco sem sada, embora uma liderana esclarecida e generosa sempre possa iniciar uma reao, porque h reservas de racionalidade no interior de toda sociedade.
Este teria sido o papel do presidente Lula. Eleito pelo voto de um universo bastante heterogneo, que incluiu amplos segmentos da opinio pblica brasileira no identificados com a velha agenda e com o modo de governar do Partido dos Trabalhadores, ele poderia ter optado por um governo plural, modernizante e pacificador. Pela sua idade e pela experincia adquirida em dois governos era legitimo que se esperasse dele essa grandeza. Seu governo, no entanto, tem sido o contrrio de tudo isto.
Lula no percebeu, ou no aceitou, a nova correlao de foras na sociedade e no sistema poltico. Por meio de escolhas, de gestos e de palavras a cada dia deixa mais claro que no se conforma com as mudanas nos sentimentos da populao. Se governar para todos e com todos significa renunciar s suas velhas crenas e s lealdades do passado, prefere no governar.
Infelizmente, apenas isto o que nos espera.
Mais uma ilusão para a democracia brasileira
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05.06.2023
Lula no percebeu, ou no aceitou, a nova correlao de foras na sociedade e no sistema poltico (foto: Evaristo S/AFP - 30/5/23)
A Amrica Latina foi sempre um continente extravagante. Por aqui acontecem coisas inusitadas que no ocorrem em nenhum outro lugar do mundo. Afora o fracasso generalizado de todos os nossos pases em construir economias saudveis e prsperas, apesar da abundncia de recursos, temos sido prdigos em experimentos polticos equivocados e desastrados.
Comparando a histria poltica de nosso infeliz continente nos ltimos 80 anos com a histria dos pases ocidentais mais bem sucedidos, no possvel fechar os olhos para as diferenas. Enquanto por l surgiram homens como Roosevelt, Churchill, De Gaulle, Adenauer, Mitterrand, Kohl, Kennedy, por aqui a galeria quase sempre sombria: Getlio, Peron, Fidel Castro, Pinochet, autocratas impiedosos e obscurantistas que envenenaram nossa cultura poltica e deixaram marcas profundas em nossas instituies, pois seus fantasmas ainda vagam impunes entre........
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