O lugar do silêncio e da surdez no mundo
"Tia Nésia se foi há alguns anos. Faz uma enorme falta e, foi só já adulta que eu percebi como o corpo surdo pode ser poesia"
Tia Nésia era surda. Desde que nasci. Foi a primeira pessoa que não ouvia, mas falava, que eu convivi. Diziam ser um sarampo mal curado, uma doença na infância, nunca souberam explicar direito o que houve, mas, ser surda tirou dela o direito de frequentar a escola. Porém, nada disso a fez menos funcional. Ela sabia que, para chegar à minha casa, tinha que pegar o ônibus que tinha a letra "K", de Kennedy. Poderia dar errado? Poderia. Mas, sempre funcionou. Sabia também qual era o próprio nome. E, o mais importante, sabia me amar como poucas pessoas souberam.
Tia Nésia se foi há alguns anos. Faz uma enorme falta e, foi só já adulta que eu percebi como o corpo surdo pode ser poesia. Demorei muito tempo para entender que corpos surdos são poesia pura. Pessoas surdas falam com o corpo todo. Os olhos são mais expressivos, bem como as mãos - e eu ainda nem estou falando da Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas, do movimento que é encadeado com as frases e com o que é dito com a barriga, com as orelhas, com as pernas, com o quadril. Se isso não for poesia, o que é, então?
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E eu demorei até meus 30 e tantos anos para sacar isso. Tia Nésia já tinha partido e eu nem pude dizer a ela o quanto eu achava bonito aquele movimento das nossas conversas, que aprendi desde que aprendi a falar: tinha que ser olhando nos olhos, para que ela pudesse ler o movimento da minha boca. Tinha que ser com as mãos. Eu tinha que gastar também, meu corpo, para dizer a........
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