Opinião | OMC e a fragmentação global: história, crise e caminhos de reinvenção

A Organização Mundial do Comércio (OMC) continua a ser o principal foro multilateral incumbido de estabelecer, interpretar e garantir o cumprimento das regras que regem o comércio internacional. Desde sua criação formal em 1995 — como desdobramento institucional do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) — a OMC consolidou-se como um pilar da ordem econômica liberal, baseada em previsibilidade normativa, abertura gradual de mercados e resolução estruturada de controvérsias. Hoje, porém, essa arquitetura enfrenta um dos momentos mais delicados de sua história, desafiada por tensões geopolíticas, transformações tecnológicas e um ceticismo crescente em relação ao multilateralismo.

Criado em 1947 como um acordo provisório no contexto da reconstrução do pós-guerra, o GATT desempenhou papel crucial na redução de barreiras tarifárias e na estabilização do comércio entre as potências industriais do Atlântico Norte. Suas rodadas de negociação sucessivas culminaram na ambiciosa Rodada Uruguai (1986–1994), que expandiu o escopo regulatório para além do comércio de bens, incorporando serviços e propriedade intelectual. Essa evolução deu origem à OMC, uma instituição dotada de personalidade jurídica própria, com um sistema de solução de controvérsias de caráter vinculante — inovação central no direito internacional econômico.

O ingresso da China em 2001 não apenas ampliou o alcance da organização, como também acelerou um realinhamento da economia global. Pequim comprometeu-se com reformas significativas e, em troca, passou a integrar plenamente a lógica do comércio multilateral. Foi um movimento de alta densidade política e econômica: a segunda maior economia do mundo passou a operar sob regras majoritariamente elaboradas no Ocidente.

Ao longo de quase três décadas, a OMC contabilizou mais de 600 disputas submetidas formalmente ao seu........

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