A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta terça-feira, 6, um recurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e arquivou uma denúncia por corrupção passiva oferecida contra o deputado na esteira da Operação Lava Jato. O julgamento foi unânime.
A denúncia havia sido recebida pela Primeira Turma em 2019, mas os ministros reviram o posicionamento a pedido da defesa de Arthur Lira.
Dois ‘fatos novos’ influenciaram a decisão: o arquivamento de uma denúncia conexa, sobre o chamado ‘Quadrilhão do PP’, e o recuo da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A decisão vem em um momento em que o presidente da Câmara se vê pressionado por investigações que atingem aliados. Luciano Ferreira Cavalcante, que já trabalhou diretamente com Lira, é investigado pela Polícia Federal pela compra de kits de robótica com recursos do orçamento secreto e foi alvo de uma operação da PF na semana passada.
Como Estadão revelou, o assessor investigado tinha salário de R$ 14,7 mil. Luciano foi indicado para ser assistente técnico na liderança do PP em 2017, quando o próprio Lira era líder do partido. Cavalcanti foi exonerado por Lira nesta segunda-feira do gabinete de liderança do PP na Casa.
Para Lira, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), seu adversário político, está por trás da operação da PF. Como mostrou o Estadão, Lira cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para conter o que classificou como ofensiva de Renan. Lula se reuniu com Lira para tentar resolver os problemas de articulação política do governo.
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A denúncia foi oferecida em março de 2018 pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que acusou o deputado de receber propina de R$ 106 mil do então presidente da Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU), Francisco Colombo, em troca de apoio político para que ele se mantivesse no cargo.
O dinheiro foi apreendido pela Polícia Federal com o assessor parlamentar Jaymerson José Gomes de Amorim no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2012. Ele deu versões desencontradas sobre a origem dos valores. A PGR alegou que Arthur Lira seria o beneficiário do dinheiro.
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Em abril, no entanto, a Procuradoria passou a argumentar que a denúncia se apoia essencialmente nos depoimentos de delatores, como do doleiro Alberto Youssef, e que as acusações não ficaram provadas. O pacote anticrime, aprovado em 2019, proibiu expressamente acusações fundamentadas exclusivamente em colaborações premiadas.
“Em que pese os elementos de prova apresentados na denúncia sejam suficientes para comprovar a existência de vínculo entre Arthur Lira, Jaymerson Amorim e os valores apreendidos em poder deste último,(...) apenas os relatos dos colaboradores de que ‘ouviu dizer’ não são suficientes para o recebimento da denúncia, sem a existência de elementos autônomos de corroboração do que foi narrado”, diz um trecho do novo parecer enviado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, ao Supremo.
A posição da PGR não vincula a decisão dos ministros. Se a desistência da acusação tivesse sido considerada infundada, a ação penal poderia ter sido mantida.
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O ministro aposentado Marco Aurélio Mello já havia votado, para receber a denúncia contra Arthur Lira, mas a Primeira Turma concordou que seu sucessor, André Mendonça, desse excepcionalmente um novo voto no lugar dele, considerando as mudanças no caso.
Ao votar para rejeitar a denúncia, André Mendonça argumentou que, se o STF contrariasse a PGR, criaria uma situação ‘indesejável’ e assumiria um papel de ‘acusador’. “Criando, assim, risco de mácula ao próprio princípio acusatório”, afirmou.
Embora tenha pedido transferência para a Segunda Turma, o ministro Dias Toffoli voltou à Primeira Turma para concluir o julgamento e também votou pelo arquivamento.
O ministro Alexandre de Moraes acompanhou a maioria, mas alfinetou a PGR pela mudança de posicionamento: “De um tempos para cá, nós estamos vendo vários arrependimentos de denúncias ofertas anteriormente.”
Moraes argumentou ainda que, com o recuo da PGR, o recebimento da denúncia só atrasaria o desfecho do processo.
“A própria Procuradoria, com a sua manifestação, já afirmou que permanecerá inerte em uma eventual produção probatória. Então nós temos aqui a confissão de um arrependimento, nesse caso eficaz, que só protelaria algo que desde já verificado como sem condições de garantir uma ação penal com justa causa”, acrescentou.
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Os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso também votaram.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO PIERPAOLO CRUZ BOTTINI, QUE REPRESENTA ARTHUR LIRA
“O arquivamento da quarta denúncia contra o deputado Artur Lira revela a fragilidade das delações de Alberto Youssef e os riscos de fundamentar acusações apenas nas declarações de colaboradores, sem outras provas que corroborem as narrativas.”
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