“Não me sinto velho por ter anos atrás de mim, mas pelos poucos que tenho à minha frente”. (Ephraim Kishon, escritor israelita).

Detesto ouvir chamar jovem a um idoso, pensando estar a agradar-lhe. Acho uma forma de bajulação e hipocrisia que só poderá rejubilar quem estiver, já, algo senil. Basta que cada um de nós, uma vez atingidas algumas décadas de vida, olhe para trás e pense no que já passou. Do ânimo que sentia e daquele que, agora, o mais certo é não sentir. É quase como a cantiga do Rui Veloso, só que no inverno da vida: “tão depressa o sol brilha, como a seguir está a chover”. Ou seja, já nada é como foi na nossa primaveril existência em que tudo nos parecia radioso.

Mas a vida é assim: hoje és novo e amanhã velho serás se, entretanto, nada de funesto te acontecer. E a falta de natalidade, em Portugal anda a fazer-se pouca, colocando o país no 3.º lugar dos mais envelhecidos da Europa. Prova-o, a proliferação de Lares pelo país fora, a fim de albergarem idosos. Só que nem sempre com condições razoáveis de habitabilidade e tratamento das pessoas que os frequentam, ou neles permanecem até final. E aqui é que emerge o busílis da questão, pois o Estado por cada 100 idosos apenas apoia 12.

Temos instituições para ricos, à base de hotéis séniores com todo o luxo, conforto e comodidades; havendo outras a que só gente com rendimentos razoáveis, ou com bons conhecimentos, têm acesso. Mas não acaba aqui. Porque a seguir vêm os Lares da plebe e as chamadas famílias de acolhimento, cuja clandestinidade prolifera. Onde ninguém fiscaliza ninguém e se pedem 500€, 700€, ou mais, de mensalidade. Quando o valor médio das reformas ronda os 508€ mês.

Há séniores internados em autênticas espeluncas, impróprias para seres humanos. Nas quais impera a falta de condições, salubridade e assistência na doença, bem como o bom trato e alimentação. Verdadeiros “negócios” com a terceira idade, pois para além de cobrarem ao utente a sua pensão, ainda recebem subsídio da Segurança Social (SS) e géneros alimentares doados, graças à caridade dos demais cidadãos. O que se deveria traduzir em melhor alimentação, coisa nem sempre não acontece.

Ora, cansados, gastos e desmotivados os seus malnutridos utentes já nem sentem forças para reagir aos maus-tratos. Se bem que os que o poderiam fazer não conseguem por medo de represálias, ou serem postos na rua. Uma forma de “mordaça”, a fim de não incomodarem suas excelências os senhores mandantes desses “refúgios” da velhice. Isto, apesar dos familiares se cotizarem para colmatar as verbas exigidas.

Ora, segundo números divulgados este ano, em 2022 existiam 102.070 lugares em estruturas residenciais para idosos, sendo que deles, 72.669 se encontravam inseridos na Rede Solidária e 29.401 na lucrativa. Porém, a perspetiva de virem a ser criados mais equipamentos é uma incógnita. Isto, apesar de vivermos no tal promissor socialismo solidário.

Depois, assiste-se ao paradoxo de haver seniores com elevadas posses em Lares de solidariedade social – lá metidas por cunhas dos parentes –, a fim de que estes venham a herdar o mais possível, só que tirando a vez a quem mais precisa. Quando podiam tê-los no setor privado, a pagarem entre 2000€ e 2500€, porque aí há sempre vagas.

Com efeito, para um ser humano que dedicou uma grande parte da sua vida ao trabalho bem merecia que, na velhice, fosse tratado com dignidade idêntica á dos mais endinheirados. Ou então para quê falar-se tanto em igualdade? Será que é palavra usada para se ficar bem na fotografia? É que não é só o SNS que tem listas de espera. Há mais de 50.000 idosos sem vaga nos Lares, faz tempo. Por isso, sem qualquer acesso a cuidados e terapias de envelhecimento ativo e saudável.

Mas o que é p’rafrentex é termos uma fauna de ativistas dedicada às mais variadas causas fraturantes, algumas delas mirabolantes, quando temos no país cidadãos discriminados pela sua idade e débil condição económica.

QOSHE - Os “refúgios” da velhice - Narciso Mendes
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Os “refúgios” da velhice

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05.06.2023

“Não me sinto velho por ter anos atrás de mim, mas pelos poucos que tenho à minha frente”. (Ephraim Kishon, escritor israelita).

Detesto ouvir chamar jovem a um idoso, pensando estar a agradar-lhe. Acho uma forma de bajulação e hipocrisia que só poderá rejubilar quem estiver, já, algo senil. Basta que cada um de nós, uma vez atingidas algumas décadas de vida, olhe para trás e pense no que já passou. Do ânimo que sentia e daquele que, agora, o mais certo é não sentir. É quase como a cantiga do Rui Veloso, só que no inverno da vida: “tão depressa o sol brilha, como a seguir está a chover”. Ou seja, já nada é como foi na nossa primaveril existência em que tudo nos parecia radioso.

Mas a vida é assim: hoje és novo e amanhã velho serás se, entretanto, nada de funesto te acontecer. E a falta de natalidade, em Portugal anda a fazer-se pouca, colocando o país no 3.º lugar dos mais envelhecidos da Europa. Prova-o, a proliferação de Lares pelo país fora, a fim de albergarem........

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