Quando os pais se separam ou divorciam é necessário definir um regime de convívios da criança com cada um deles. A criança passa a ter duas casas - a sua casa com a mãe e a sua casa com o pai. E, muitas vezes, passa também a ter atividades extracurriculares diferentes, consoante o progenitor com quem está nesse dia ou semana.
De acordo com o n.º 3 do artigo 1906.º do Código Civil, "o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente". Em termos práticos, isto significa que muitas crianças têm atividades diferenciadas em função do progenitor com quem estão num dia em concreto. Porque um deles quer futebol e o outro quer música. Ou, ainda, porque um deles decidiu unilateralmente o desporto que a criança deveria praticar e o outro, sentindo-se excluído deste processo de tomada de decisão, decide exatamente o contrário.
Falamos de conflitos parentais cujas vítimas são umas e apenas umas: as crianças.
Apesar de as atividades extracurriculares não serem legalmente entendidas como atos de particular importância - e, portanto, que necessitam do acordo de ambos os pais -, a verdade é que são muito importantes. Vejamos este exemplo.
O André (nome fictício) tem 11 anos e pratica futebol no clube X. Treina duas vezes por semana, às segundas e quartas-feiras, quando está com o pai. Às sextas-feiras transita para a sua casa com a mãe e falta ao treino, pois esta não concorda com aquela modalidade desportiva. Nos fins de semana em que está com a mãe também não pode comparecer aos jogos. Quando volta aos treinos sente dificuldade em acompanhar o ritmo da equipa e começa a não ser convocado para os jogos. Por sua vez, tem aulas de música quando está com a mãe. O pai alega não ter dado o seu consentimento para estas aulas, pelo que o André falta quando está consigo. Na prática, o André comparece apenas a metade das aulas prejudicando, naturalmente, a sua evolução.
O caso do André exemplifica o impacto que este tipo de situação pode ter no bem-estar das crianças. Praticam atividades de que gostam de forma descontinuada, sentem dificuldade em acompanhar os colegas e, não raras vezes, evidenciam um pior desempenho fruto das faltas sucessivas, impactando negativamente na sua autoestima.
Apesar de as atividades extracurriculares serem, aos olhos da lei, entendidas como atos de vida corrente que não carecem do acordo de ambos os progenitores, a verdade é que a ausência deste acordo tende a ter um impacto negativo nas crianças. É fundamental que os pais se descentrem de si mesmos e do conflito parental e se centrem naquilo que realmente importa: a criança. Qual é a atividade de que a criança gosta? O que pretende praticar? E em que medida é importante uma prática regular e continuada?
Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal