"Eu não minto ao meu filho" é uma frase que ouço muitas vezes por parte de inúmeros pais. E se, por um lado, esta afirmação transmite valores morais ajustados, assentes nas ideias de verdade e de justiça, salientando ainda a importância da modelagem, por outro significa que, em muitas situações, as crianças são expostas a conteúdos desadequados para a sua idade e maturidade.

É importante que os pais sejam honestos e verdadeiros com os filhos e os ajudem a compreender e a interiorizar as normas morais, nomeadamente, a distinguir o certo e o errado. Para que ajam, não em função do eventual castigo ou recompensa, mas sim em função daquilo que é correto, respeitando-se a si mesmos e aos outros.

Da mesma forma, é importante que os pais saibam proteger os filhos de informação que possa não ser adequada para a sua idade e maturidade. No seu artigo 17.º, a Convenção sobre os Direitos das Crianças salienta o Direito a Informação Apropriada: "O Estado deve garantir à criança o acesso a uma informação e a materiais provenientes de fontes diversas, e encorajar os media a difundir informação que seja de interesse social e cultural para a criança. O Estado deve tomar medidas para proteger a criança contra materiais prejudiciais ao seu bem-estar". Falamos aqui de um direito das crianças que não deve ser entendido como relativo apenas a informação partilhada pelos meios de comunicação social, mas também pelos próprios pais.

Neste contexto, falamos hoje dos pais que, à boleia da crença de que não devem mentir aos filhos, dessa forma modelando um comportamento correto, acabam por não os proteger de informação inapropriada, expondo-os a conteúdos danosos para o seu bem-estar. Esta situação acontece com relativa frequência nos processos de conflito parental, em que os pais não conseguem distinguir a conjugalidade da parentalidade e partilham com os filhos informação da esfera privada do casal ou relativa ao processo de divórcio. Esta partilha acaba, não raras vezes, por potenciar nos mais novos emoções desagradáveis, conflitos de lealdade, alianças ou mesmo a rejeição de um dos progenitores.

"O teu pai vai sair de casa e abandonar-nos", "a tua mãe tem um amante", "o teu pai batia-me quando estava grávida de ti" ou "a tua mãe não ajuda a pagar as tuas despesas" são apenas alguns exemplos deste tipo de partilhas desadequadas. Temos também as crianças que conhecem os processos judiciais melhor do que os próprios adultos, leem os relatórios dos técnicos envolvidos ou ouvem/veem as gravações (ilegais) de discussões tidas entre os pais.

Tendo em conta o impacto negativo (a curto, médio ou longo prazo) que esta exposição a informação inapropriada pode ter no bem-estar e desenvolvimento da criança, é importante assumir que esta configura uma forma de maltrato emocional. E, como tal, o progenitor maltratante deve ser, de alguma forma, responsabilizado.

Os pais têm o dever de proteger os filhos de qualquer situação que possa envolver algum tipo de risco ou perigo. Se, para tal, tiverem de omitir ou mesmo mentir em relação a determinados conteúdos, pois é isso que devem fazer. Assim, a afirmação "eu não minto ao meu filho" deverá ser substituída por "eu, por regra, não minto ao meu filho, mas posso ter de o fazer para o proteger".

Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

QOSHE - "Eu não minto ao meu filho" - Rute Agulhas
menu_open
Columnists . News Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

"Eu não minto ao meu filho"

5 2 16
02.02.2023

"Eu não minto ao meu filho" é uma frase que ouço muitas vezes por parte de inúmeros pais. E se, por um lado, esta afirmação transmite valores morais ajustados, assentes nas ideias de verdade e de justiça, salientando ainda a importância da modelagem, por outro significa que, em muitas situações, as crianças são expostas a conteúdos desadequados para a sua idade e maturidade.

É importante que os pais sejam honestos e verdadeiros com os filhos e os ajudem a compreender e a interiorizar as normas morais, nomeadamente, a distinguir o certo e o errado. Para que ajam, não em função do eventual castigo ou recompensa, mas sim em função daquilo que é correto, respeitando-se a si mesmos e aos outros.

Da mesma forma, é importante que os pais saibam proteger os filhos de informação que possa não ser adequada para a sua idade e........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play