Opinião. A história dos imigrantes é como a da família que deu origem ao Natal

Texto: Luísa Cunha

Longe de mim desrespeitar crenças ou valores de quem quer que seja. Fui criada com o ímpeto de dar sempre o benefício da dúvida a toda e qualquer pessoa que conheça, acredito nas máximas de “nem todo mundo tem um dia bom” ou de “não conhecemos a luta interna de ninguém”. Acredito, ao meu próprio pesar, no melhor das pessoas, ainda quando insistem em provar contrariamente. E não sou hipócrita, o faço por mim. Faço a minha parte de manutenção da fé na humanidade, no respeito e na convivência. Acredito na ignorância e na sua comunhão com a inocência por lapsos de egocentrismos, embora esta crença já me tenha testado à flor da pele em várias ocasiões, tanto no Brasil como em Portugal.

Acredito piamente nos lapsos atuais vivenciados, na “luta” pela manutenção e proteção dos nossos, sobre tudo e qualquer coisa (ou pessoas), que muitos devem sentir para manifestarem um ódio tão grande por qualquer fato externo que ameace a segurança de sua dignidade própria, no campo do trabalho, moradia e educação. E por tanto acreditar, que o vendaval passa, que se a água fica turva e vira vinho pode voltar a clarear, que os sedimentos que impedem a visão clara, racional e humana podem decantar, me considero uma pessoa de fé.

E é por essa fé que também acredito que certos argumentos cabem analogias e até são dela dependentes, para que algumas palavras atravessem a poeira e detritos de ódio e toquem alguns ouvidos e bons-sensos. E é neste ponto que trago a história abaixo, a qual vim ensaiando divulgar desde as últimas semanas de dezembro, real em mais do que muitos carecem de admitir. A história de uma família que imigrou a Portugal e que antes do Natal de 2025, viu-se obrigada a partir.

A mãe, de origem israelita, o pai, europeu. Ela, grávida do primeiro filho, descobrindo a gravidez pouco antes do último Natal. Um milagre, segundo relataram conhecidos, já que por questões próprias Miriam perdia a esperança de formar uma família com tanta facilidade. Em conjunto, por conflitos políticos e sociais onde moravam, ambos sonhavam em dar uma vida melhor à criança e decidiram que o melhor para Joshua seria nascer com nacionalidade europeia, na terra do pai, tendo seu registro como cidadão de uma parte do mundo que, por forças alheias às vontades dos dois, inegavelmente abriria mais portas e fronteiras ao futuro do bebê. Como todo ato de imigração, foi uma decisão difícil. Deixar o certo pelo incerto, o berço da família, essencial para uma mãe de primeira viagem, para buscar um sonho. Fizeram as malas, deixaram amigos, uma vida e uma história profissional, educacional e social para trás. E vieram, com todo desejo de vida, para Portugal.

Logo na fronteira, José Manuel seguiu sem problemas, passaporte vermelho, traços fortes portugueses, nenhum indicativo religioso em suas vestimentas. Miriam, com uma barriga já aparente, tinha, todavia, na sua cabeça um alerta de ameaça invisível. Judaica, levava seu mitpachat e deu azar de pôr os pés no país durante um grande conflito político pelos seus direitos e afirmação como mulher. Um conflito que ela nunca pediu ou imaginou solicitar, usava seu lenço cobrindo os cabelos por um sinal de respeito à sua fé, como as senhoras que ascendem velas em Fátima de joelhos no chão. Não era submissão, era demonstração do seu amor, de onde vinha ao menos. Em terra alheia, mais parecia uma marca na pele que gritava perigo.

E ali, com os portugueses a lhe checar a documentação, a primeira aspereza lhe foi entregue. Sem saber muito bem a diferença entre burca, mitpachat ou hijab, foi levada a uma sala longe das vistas, para uma análise mais profunda de sua legitimidade de ali estar. Entendia Miriam que é um trabalho difícil, separar joio do trigo à........

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