Nada como termos sido obrigados a pagar muito caro a má gestão dos bancos e, em muitos casos, a mais pura aldrabice, para agora estarmos permeáveis à ideia de que temos de ajudar os bancos para evitar que os bancos nos voltem a complicar a vida. As famílias estão sufocadas com o aumento das prestações do crédito à habitação, enquanto que os bancos voltam a lucros como há muito não se via. Devemos levantar-nos e aplaudir de pé, sem esquecer de ajoelhar logo de seguida para agradecer ao divino a sorte de termos uma banca tão robusta.

É claro que nem toda a gente alinha e, às vezes, até o governo se distrai com o que anda a fazer. Lançar Certificados de Aforro que chegaram aos 3,5% de juro, quando a banca não está capaz de pagar muito mais que 1% a quem lhe empresta dinheiro a prazo para ela fazer negócio, acabou por levar muita gente que poupa, mas não tem sentido patriótico-bancário, a retirar milhares de milhões de euros dos bancos, correndo o risco de afectar a sua liquidez. O Estado que pagou um juro médio de 3,7% na nova dívida contraída nos mercados, nos primeiros três meses do ano, sempre conseguia alguma poupança. Sendo a taxa variável, mas nunca superior aos 3,5%, ainda pode vir a poupar muito mais no futuro com estes aforradores.

A banca não gostou e fez saber. Fez saber, como é óbvio, nos corredores do poder, mas como tardava em haver mudanças, mandou um dos seus explicar na televisão que aquilo dos Certificados de Aforro não era boa ideia. Como manda quem pode, o Executivo apressou-se a acabar com os certificados que remuneram até 3,5% e a lançar os novos que só vão até aos 2,5%. A banca agradece, porque haverá muito menos gente a tirar o dinheiro que tem depositado nos bancos para adquirir Certificados de Aforro. O governo garante que não está a fazer o frete à banca, mas o frete é tão grande que até implica deixar os bancos participar no negócio, cobrando as suas comissões. É, não só a concorrência que afecta a liquidez dos bancos diminui, como os bancos podem passar a vender Certificados de Aforro aos seus balcões, beneficiando de uma comissão que vai dos 0,58% aos 0,26%, conforme vai subindo o valor da poupança. Estas eram, pelo menos, as comissões pagas aos CTT.

O Presidente bem ironiza, pedindo um "esforçozinho" à banca para aliviar a vida de quem tem créditos hipotecários, mas com o governo a fazer os fretes aos bancos, os banqueiros sabem que não precisam de estar preocupados com a pressão presidencial. Até se riem de Marcelo, criticando-o nos corredores da corte lisboeta, por ter a ousadia de defender o povo. Eles e o governo devem ter toda a razão (usando também da ironia presidencial), é mesmo o sector que mais está a precisar de ajuda: nos primeiros três meses do ano, os lucros dos maiores bancos cresceram 54% para quase mil milhões de euros e até o Novo Banco, depois da monumental ajuda dos contribuintes, fechou o trimestre com um lucro de 148 milhões.

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Bancos aforrados é o que o governo quer. Já o povo…

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05.06.2023

Nada como termos sido obrigados a pagar muito caro a má gestão dos bancos e, em muitos casos, a mais pura aldrabice, para agora estarmos permeáveis à ideia de que temos de ajudar os bancos para evitar que os bancos nos voltem a complicar a vida. As famílias estão sufocadas com o aumento das prestações do crédito à habitação, enquanto que os bancos voltam a lucros como há muito não se via. Devemos levantar-nos e aplaudir de pé, sem esquecer de ajoelhar logo de seguida para agradecer ao divino a sorte de termos uma banca tão robusta.

É claro que nem toda a gente alinha e, às vezes, até o governo se distrai com o que anda a fazer. Lançar Certificados de Aforro que chegaram aos 3,5% de juro, quando a banca não está capaz de........

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