Claro que a profissão de professor universitário é das piores remuneradas que conheço na vida, sobretudo face ao investimento que se tem de fazer. Diria, até, vexatória quando se recebe a folha salarial e o dinheiro cai em conta.
Claro que muitos dos colegas que abandonam o fazem por motivos financeiros e/ou porque não estão para se sujeitarem a toda a burocracia para além de estarem como professores.
E claro está que, muitos há, que se mantêm fazendo e dando o mínimo dos mínimos e procurando escapar a qualquer pingo de chuva. A meu ver mal mas é sua a opção, desde que cumpridos os mínimos.
Quando o jornalista, escritor e professor Leonardo Haberkorn decidiu, em 2015, desistir de dar aulas endereçou outro dos elementos essenciais para desistir desta profissão. Porque quem trabalha com paixão tem no WhatsApp, Facebook e redes sociais -- entre outros e aos dias de hoje -- inimigos colossais à sala de aula. Quantas e quantas aulas não se dão a tentar combater o poder polarizador de um ecrã de telemóvel. Mal vamos, todos nós, e mal está a sociedade por termos chegado onde chegámos. Na altura, Haberkorn referiu mesmo "Ganharam-me. Rendo-me. Cansei-me de lutar contra telemóveis, Whatsapp ou Facebook." E abandonou o ensino superior.
Há ainda um terceiro e um quarto aspetos, entre várias outros que podia elencar, para podermos desistir desta profissão. Financeira, não motivacional na luta contra as redes sociais mas, também, quantas vezes parca na remuneração psicológica e, igualmente, no julgamento da opinião como imprópria. Na remuneração psicológica porque, e eu sou antigo, há 30 anos atrás os alunos agradeciam todos (ou quase) aos seus professores os esforços e a sua dedicação e entrega quando estes se esforçavam e davam o litro (dir-me-ão que não é mais que a nossa obrigação, com o que concordo em absoluto; mas sempre ia compensando esse salário psicológico face ao salário que nunca nos foi merecidamente atribuído). Hoje olham para os professores como estando a cumprir o "seu frete", a ter que fazer um trabalho ao qual terão de se submeter se quiserem aspirar a um diploma ou grau ou programa qualquer que lhes dê algo mais no mercado e os posicione de forma diferente. Legitimíssimo. Mas psicologicamente pouco remuneratório para um professor. Adicionalmente, e na linha da opinião, os professores são hoje muitas vezes aniquilados nas universidades pela forma de pensar mainstream e por aquilo que possam querer usar como ideias para estimular o pensamento e o contraditório. São, não raro, anulados e reduzidos, nesta voragem da cultura woke, a seres não pensantes e, até, indisciplinados caso ousem manifestar as suas opiniões, sobretudo quando diversas das da maioria dominante.
"The mission of the university is the pursuit of truth and the advancement and dissemination of knowledge. A robust culture of free speech and academic freedom is essential to that mission: intellectual progress often threatens the status quo and is resisted. Bad ideas are only weeded out by unfettered critical analysis" (Chicago Trifecta; Chicago Principles, Kalven Report e Shils Report).
Nunca se poderá prescindir das ideias. E tem de haver debate e pluralidade nas opiniões. Tem de haver liberdade. Que dizer então das ideias em ambiente económico e social, onde não há lugar à ciência exata? Se nas ciências exatas já o cancelamento de ideias é o que é imagine-se a atrofia de uma universidade tomada apenas por uma opinião de mainstream e por ideias num só sentido!?
Concluindo. A universidade tem hoje muito poucos atrativos para um professor. E parece-me que terá cada vez menos com o avanço da tecnologia. Fracos atrativos financeiros, luta desigual contra as redes sociais, baixa remuneração psicológica e graus de liberdade na expressão e pensamento paralisados.
Isto dito, o que me mantém professor?
Estou pela partilha e enriquecimento que acredito que consigo levar a outros e os meus alunos trazem até mim. Pela riqueza do debate. Pela construção. Para que pelo menos uma pessoa, um ser humano, saia diferente. Para que seja impactado pelo meu trabalho. Basta a diferença numa pessoa e já valeu a pena todo e qualquer esforço.
Por isso, mesmo sabendo tudo o que tem de contra, é sem dúvida a sala de aula e as pessoas que me mantêm ligado à universidade. No dia em que não puder dar aulas, não puder comparecer na condição de ser humano, simples, desconhecedor e sempre aprendiz, facto que não estará talvez longínquo devido ao avanço da tecnologia, então a universidade deixa de fazer sentido. Para mim como para muitos.
Precisamos, pois, de colocar um sinal mais em duas palavras e seus significados: humanismo e liberdade. Como definir a postura e o pensamento na universidade? Abandonando-nos a ser humanos, a estar humanos. A ajudar a construir seres humanos. De preferência em salas de aula (ou outros ambientes e formatos), sempre e quando haja debate de ideias onde todos se respeitem. Debates com elevação. Debates com humanismo. Debates livres. Numa palavra, debates com e para pessoas.
Presidente do Iscte Executive Education
O que me mantém professor
Claro que a profissão de professor universitário é das piores remuneradas que conheço na vida, sobretudo face ao investimento que se tem de fazer. Diria, até, vexatória quando se recebe a folha salarial e o dinheiro cai em conta.
Claro que muitos dos colegas que abandonam o fazem por motivos financeiros e/ou porque não estão para se sujeitarem a toda a burocracia para além de estarem como professores.
E claro está que, muitos há, que se mantêm fazendo e dando o mínimo dos mínimos e procurando escapar a qualquer pingo de chuva. A meu ver mal mas é sua a opção, desde que cumpridos os mínimos.
Quando o jornalista, escritor e professor Leonardo Haberkorn decidiu, em 2015, desistir de dar aulas endereçou outro dos elementos essenciais para desistir desta profissão. Porque quem trabalha com paixão tem no WhatsApp, Facebook e redes sociais -- entre outros e aos dias de hoje -- inimigos colossais à sala de aula. Quantas e quantas aulas não se dão a tentar combater o poder polarizador de um ecrã de telemóvel. Mal vamos, todos nós, e mal está a sociedade por termos chegado onde chegámos. Na altura, Haberkorn referiu mesmo "Ganharam-me. Rendo-me. Cansei-me de lutar contra telemóveis, Whatsapp ou Facebook." E abandonou o ensino superior.
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