A Serra de Segura é uma zona quase esquecida - muito agreste e bela - da Andaluzia oriental. Com imensa graça, ela perguntou-nos , "mas como chegaram cá, onde estamos, nesta terra tão bela?". E verdade que estas serras longínquas eram um lugar improvável para encontrarmos Carminho. Seus fados e a sua simpatia enamoraram as mais de de sessenta pessoas que estivemos no pátio daquela fábrica de azeite. Falou connosco, num bom espanhol - a constante cortesia dos portugueses de nos falar em espanhol -, e deu-nos de prenda várias canções extras. A gente foi conquistada pela portuguesa, ouviram-se vivas a Portugal!, muitos bravos, e o público aplaudiu em pé muitas vezes. Entre Carminho e o público caíram todas as barreiras que por vezes há nos espetáculos, foi uma alegre conversa de amigos.
A Serra de Segura, Reserva da Biosfera, foi declarada Parque Natural há quarenta anos e tem uma superfície de 210 mil hectares. São umas serras de montanhas muito altas (há dúzias que superam os 1800 metros de altitude), de vales profundos e florestas de pinheiros e azinheiras e grande diversidade botânica. Por ali nascem muitos rios, entre eles o rio Guadalquivir e o rio Segura, um para a vertente oeste, o outro para o Mediterrâneo. Estas serras são o grande baluarte que protege dos ventos da África e garante o clima mais temperado da Andaluzia. Aqui é onde veio a dar a charmosa Carminho, que perguntava como é que tínhamos lá chegado.
Houve essa comunicação, essa energia tão importante entre artistas e público. Como ela diz, os que escutam são essenciais para os que cantam. Carminho falou-nos dos poemas, da criação do fado, da sua trajetória desde o Algarve, com uma homenagem a sua mãe - fadista - e ao seu pai / engenheiro - "que não cantava", diz com sorriso, mas que ajudou à mãe para vir para Lisboa e abrir uma casa de fados, o sonho dela.
Diz-nos de que os portugueses não são necessariamente tristes e cantou um fado com letra de Manuel Alegre, mas também nos diz que gostava duma certa saudade, do silêncio criativo. Também falou de como os poetas portugueses, antigos e modernos, têm contribuído para os fados com os seus poemas. Assim, Vasco Graça Moura Nuno Júdice, Mourão Ferreira, O"Neill, além de Manuel Alegre. Seu espetáculo, duas horas de canções e alguma conversa, foi uma explicação de Portugal. Interpretou mesmo uma marcha de Lisboa, do seu bairro, Alcântara - de que eu tenho tantas saudades, como da sua biblioteca municipal Burnay -, e explicou-nos o significado das marchas populares.
Estamos a setecentos e cinquenta quilómetros de Lisboa, no mesmo paralelo, depois de atravessar a Extremadura, e quase toda a Andaluzia. Fazemos parte dessa "Espanha vasia", esquecida, da que os políticos só se lembram no dia de votos. Aliás, dois días depois foram as eleições municipais, mas foi por um acaso de datas, nada a ver o festival com a campanha, felizmente. Trazer a Carminho a estas serras, tão longe das cidades, tem sido uma ideia magnífica do Daniel Broncano, o inspirador que criou o festival, a alma deste evento, que está na sua décima edição.
Para nós, Portugal é nosso complemento necessário. Os espanhóis precisam desse sossego, dum bocado de saudade mesmo para calmar nossa agitação, nosso barulho. É por isso que a música portuguesa, a lírica portuguesa, a literatura, o carácter dos portugueses traz-nos paz, e encontra sempre uma receção calorosa, afectiva. Esperamos que nos próximos festivais sempre haja uma voz, uma música portuguesa, porque todos os espanhóis, mesmo os que nunca visitaram Portugal, sem que o saibam mesmo, têm saudades desse país. Nessa outra tarde, ao pé dos altos montes de pinheiros bravos, entre campos de oliveiras, vimos e sentimos Portugal graças a Carminho.
Escritor espanhol
Carminho na Serra de Segura, Jaén
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05.06.2023
A Serra de Segura é uma zona quase esquecida - muito agreste e bela - da Andaluzia oriental. Com imensa graça, ela perguntou-nos , "mas como chegaram cá, onde estamos, nesta terra tão bela?". E verdade que estas serras longínquas eram um lugar improvável para encontrarmos Carminho. Seus fados e a sua simpatia enamoraram as mais de de sessenta pessoas que estivemos no pátio daquela fábrica de azeite. Falou connosco, num bom espanhol - a constante cortesia dos portugueses de nos falar em espanhol -, e deu-nos de prenda várias canções extras. A gente foi conquistada pela portuguesa, ouviram-se vivas a Portugal!, muitos bravos, e o público aplaudiu em pé muitas vezes. Entre Carminho e o público caíram todas as barreiras que por vezes há nos espetáculos, foi uma alegre conversa de amigos.
A Serra de Segura, Reserva da Biosfera, foi declarada Parque Natural há quarenta anos e tem uma superfície de 210 mil hectares. São umas serras de........
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